Skip Global Navigation to Main Content
Skip Breadcrumb Navigation
Relatórios Anuais

Relatório de Direitos Humanos - 2010

BUREAU DE DEMOCRACIA, DIREITOS HUMANOS E TRABALHO

Brasil

O Brasil é uma república federativa constitucional com população de aproximadamente 191 milhões de habitantes. Em 31 de outubro, no segundo turno das eleições, os eleitores elegeram Dilma Rousseff presidente para um mandato de quatro anos. As eleições foram consideradas livres e justas. Houve ocasiões nas quais as forças de segurança agiram independentemente do controle civil. As forças de segurança estaduais cometeram vários abusos contra os direitos humanos.

Os problemas de direitos humanos relatados incluem: execuções ilegais; uso excessivo da força, espancamentos, abusos e tortura de detentos e internos cometidos pela polícia e pelas forças de segurança dos presídios; incapacidade de proteger testemunhas envolvidas em processos criminais; condições carcerárias cruéis; detenção prolongada de presos que aguardam julgamento e morosidade excessiva nos julgamentos; relutância e ineficiência em processar autoridades governamentais por corrupção; violência e discriminação contra mulheres; violência contra crianças, inclusive abuso sexual; tráfico de pessoas; discriminação contra índios e minorias; falha na aplicação das leis trabalhistas; trabalho forçado; e trabalho infantil no setor informal. Os violadores dos direitos humanos com frequência ficaram impunes.

Respeito aos Direitos Humanos

Seção 1       Respeito à integridade da pessoa, incluindo a defesa contra:

a.  Privação arbitrária ou ilegal da vida

O governo federal e seus agentes não cometeram assassinatos por motivação política, mas execuções ilegais cometidas pelas polícias estaduais (Militar e Civil) foram generalizadas, em particular nos estados populosos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Em muitos casos, os policiais fizeram uso indiscriminado da força letal durante apreensões. Em alguns casos, a morte de civis ocorreu após sérios abusos ou tortura praticados por funcionários responsáveis pela aplicação das leis.

Relatórios confiáveis indicaram o envolvimento constante de autoridades policiais estaduais em mortes por vingança e intimidação e mortes de testemunhas ligadas a depoimentos contra autoridades policiais.

No Rio de Janeiro, tanto policiais em serviço quanto fora de serviço fizeram uso indiscriminado da força, inclusive com homicídios, principalmente na Zona Norte, região mais pobre da cidade. Os moradores das cerca de 1.050 favelas da cidade, onde moram aproximadamente 1,2 milhão de pessoas, estiveram mais sujeitos a riscos. A impunidade para esse tipo de homicídio continuou sendo um problema. Segundo a Anistia Internacional (AI), as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) reduziram a violência de maneira significativa em mais de uma dezena de comunidades, mas o policiamento no Rio de Janeiro continuou a depender de métodos repressivos. Em 26 de novembro, a AI afirmou que a polícia do Rio matou mais de 500 pessoas durante o ano em "atos de resistência", quase sempre sem investigações adequadas ou independentes para apurar se os suspeitos resistiram à prisão e ameaçaram a vida de policiais ou da população.

A AI informou que poucos assassinatos foram investigados com eficácia e independência e que os criminosos raramente foram processados de forma adequada. O Programa de Pacificação das Favelas, da Secretaria de Segurança Pública Rio de Janeiro, destacou 12 unidades especialmente treinadas em policiamento comunitário para 12 favelas. Pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social constatou que 93% dos moradores de áreas com UPPs se sentiam mais seguros. Segundo a pesquisa, 70% dos moradores das comunidades sem UPPs gostariam da presença de uma unidade desse tipo.

Em meados de dezembro eram 13 unidades de policiamento comunitário em 16 favelas. A implantação das UPPs nessas comunidades ocorreu sem que fossem relatados incidentes graves.

Em 28 de novembro, unidades da Polícia do Rio de Janeiro, apoiadas pelas Forças Armadas, entraram na imensa favela do Complexo do Alemão como parte do Programa de Pacificação das Favelas e em resposta a uma onda de ataques violentos contra a população por gangues de drogas. Os conflitos resultantes entre os traficantes de drogas suspeitos e a polícia causaram a morte de 42 pessoas, algumas delas transeuntes, inclusive uma jovem de 14 anos, como informou o jornal O Globo. Cidadãos e organizações não governamentais (ONGs) relataram o uso excessivo da força por parte dos responsáveis pela aplicação da lei durante a pacificação. O então secretário de Direitos Humanos, Paulo Vannuchi, deu início a investigações de supostas violações dos direitos humanos e ao mesmo tempo atribuiu o número relativamente baixo de mortes em uma operação desse porte à moderação dos responsáveis pela aplicação da lei.

A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que de janeiro a setembro a polícia estadual (Civil e Militar) matou 392 civis no estado, em comparação com 400 mortos durante o mesmo período de 2009. Os casos que envolveram execuções extrajudiciais estavam sendo investigados pela polícia ou foram levados aos tribunais estaduais; segundo observadores, poderá levar muitos anos para que esses casos sejam solucionados. Durante o ano houve relatos de múltiplos assassinatos (chacinas) no estado de São Paulo, quase sempre relacionados com drogas e com suposto envolvimento da polícia; na região metropolitana de São Paulo, de janeiro a outubro foram registradas 12 chacinas, que resultaram em 46 mortes.

Entre 17 e 26 de abril, um grupo de aproximadamente 5 policiais militares matou pelo menos 23 pessoas no litoral do estado de São Paulo, ao que tudo indica em retaliação ao assassinato de um policial em 18 de abril. O caso continuava sendo investigado no final do ano.

Em 27 de maio, a relatora especial da ONU sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias apresentou relatório de acompanhamento às suas constatações e recomendações de 2007. O relatório de 2007 incluiu recomendações nas áreas de estratégias de policiamento, envolvimento da polícia no crime organizado, prestação de contas da polícia, provas forenses, proteção a testemunhas, promotores públicos, estrutura judicial e jurídica e prisões.

O relatório de acompanhamento observou alguns aperfeiçoamentos feitos por autoridades policiais do Rio de Janeiro, de Pernambuco, da Paraíba e de São Paulo na implementação de recomendações para reduzir as atividades de grupos que conduzem assassinatos extrajudiciais, por exemplo, por meio da investigação de milícias e da prisão dos envolvidos nos assassinatos, mas observou que esses grupos continuaram a operar. Em setembro, 9 membros de milícias presos durante a Operação Leviatã II no Rio de Janeiro foram considerados culpados por conspiração e posse ilegal de arma de fogo e condenados a penas entre 8 e 12 anos.

Grupos ligados a responsáveis pela aplicação da lei realizaram várias execuções, em alguns casos com a participação de policiais. Embora novos números sobre tais assassinatos não tenham sido fornecidos no relatório de acompanhamento da relatora especial, foi observado que os governos dos estados de Pernambuco e da Paraíba fizeram esforços para solucionar os assassinatos extrajudiciais. O governo do estado de Pernambuco informou ter prendido aproximadamente 400 pessoas, e o governo do estado da Paraíba investigou um grupo que pode ser responsável por até 300 mortes. Entidades de direitos humanos locais respeitadas relataram a existência em alguns estados de grupos vinculados a forças policiais que tiveram como alvos suspeitos de crimes e pessoas consideradas problemáticas ou indesejáveis por proprietários de terras. Entre os estados onde se sabe que esses grupos operam estão São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraíba.

Em agosto de 2009, autoridades prenderam cinco suspeitos, inclusive policiais militares, do assassinato de janeiro de 2009 em Pitimbu, na Paraíba, de Manoel Bezerra de Mattos Neto, vice-presidente do diretório estadual do Partido dos Trabalhadores em Pernambuco e defensor dos direitos humanos. A ONG Justiça Global informou que, em 9 de junho, Maximiano Rodrigues Alves, testemunha na investigação, sofreu um atentado à bala em Itambé, Pernambuco, supostamente devido ao caso Mattos. Em 27 de outubro, em resposta a um recurso da seccional de Pernambuco da Ordem dos Advogados do Brasil, o Superior Tribunal de Justiça transferiu para os tribunais federais o processo de Mattos e de outras mortes suspeitas de terem sido cometidas por policiais fora de serviço. No final do ano, o processo estava aguardando julgamento no Tribunal Federal da Paraíba.

O caso do assassinato de José Carlos Barbosa, em março de 2009, pela Polícia Militar do Rio de Janeiro continuava sendo investigado no fim do ano. Segundo a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro, testemunhas prestaram depoimento no processo apesar de receberem ameaças.

Em abril de 2009, em Santa Teresa, no Rio de Janeiro, a polícia matou seis jovens suspeitos de envolvimento com o tráfico de drogas na favela do Morro da Coroa. Segundo a ONG Rede Contra a Violência, os promotores apresentaram acusações contra quatro policiais (Vagner Barbosa Santana, Carlos Eduardo Virgínio dos Santos, Jubson Alencar Cruz Souza e Leonardo José de Jesus Gomes) pelos assassinatos. O caso continuava pendente no fim do ano.

No fim do ano, dois policiais militares estavam presos aguardando julgamento pela morte de quatro pessoas em 2009 no bairro de Guaratiba, no Rio de Janeiro.

Em 30 de julho, um tribunal condenou 4 policiais militares a 18 anos e 8 meses pelo assassinato de 2008 de Antonio Carlos Silva Alves. Os 4, todos do 37º Batalhão (São Paulo), estavam entre os 14 policiais militares presos em 2009 após investigação de atividades ligadas ao crime organizado. Nove dos 14 continuavam sob custódia no fim do ano, aguardando o resultado de procedimentos judiciais.

Não se teve conhecimento de desdobramentos nos seguintes casos:

  • A morte em agosto de 2009 de Elton Brum da Silva durante operação da Polícia Militar para remover Silva e cerca de outros 500 membros do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra de uma fazenda em São Gabriel, no estado do Rio Grande do Sul.
  • A prisão de agosto de 2009 do sargento reformado Jairo Francisco Franco por matar um homem negro, não identificado, na Grande São Paulo.
  • A investigação do policial militar Pascoal dos Santos Lima por ligação com a morte do coronel da Polícia Militar José Hermínio Rodrigues em 2008, em São Paulo. Rodrigues estava investigando assassinatos extrajudiciais supostamente cometidos por Lima, que estava cumprindo pena de prisão de outra condenação.
  • Mais de 40 mortes que ocorreram durante operações da Polícia Militar em novembro de 2009 em favelas do Rio de Janeiro depois de um helicóptero ter sido abatido em outubro do mesmo ano.
  • A morte por espancamento em 2008, no Rio de Janeiro, de Andreu Luis da Silva Carvalho em um centro de detenção. A ONG Projeto Legal informou que promotores não apresentaram acusações contra cinco agentes suspeitos de envolvimento no assassinato e entrou com um processo em agosto contra o estado do Rio de Janeiro pedindo indenização para a família da vítima.

Em 12 de abril, um júri do Pará condenou Vitalmiro "Bida" Bastos Moura a 30 anos de prisão pelo assassinato da freira católica Dorothy Mae Stang em 2005. Em 18 de maio, a juíza Maria de Nazaré Gouveia, do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, decidiu que Reginaldo Pereira Galvão, também acusado pelo assassinato e inicialmente condenado a 30 anos, aguardaria a apelação em liberdade.

Em 29 de setembro, o policial militar do Rio de Janeiro Paulo Marco da Silva Emílio foi absolvido da morte de Thiago da Costa Correia da Silva e de três outros jovens da favela do Borel, na Zona Norte do Rio de Janeiro, ocorridas em 2003. Segundo a Rede Contra a Violência, três dos cinco policiais militares do Rio de Janeiro acusados foram absolvidos. No fim do ano, Washington Luis de Oliveira Avelino estava aguardando julgamento e Marcos Duarte Ramalho, cuja condenação foi anulada em março de 2009, estava aguardando novo julgamento.

Não se teve conhecimento de desdobramentos do caso da morte sob custódia, reaberto em setembro de 2009, de Manoel Fiel Filho, que foi preso e supostamente torturado antes de sua morte em 1976. Autoridades apresentaram denúncia por assassinato e ocultação de provas contra um investigador de polícia, um perito e o médico-legista que realizou a autópsia.

b.  Desaparecimentos

Não houve relatos de desaparecimentos por motivação política.

c.  Tortura e outros tratamentos ou punições cruéis, desumanos ou degradantes

Embora a Constituição proíba esse tipo de tratamento e preveja penalidades legais severas para quem o praticar, a tortura e outros tratamentos cruéis cometidos por policiais e carcereiros continuaram sendo um problema sério e generalizado. Em 2009, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos (SEDH), órgão vinculado ao governo federal, reconheceu que as instituições policiais eram historicamente marcadas pela violência, gerando um ciclo vicioso de insegurança, ineficiência, abuso, tortura e impunidade.

Quatorze dos 26 estados do país aderiram formalmente ao Plano de Ações Integradas para Prevenção e Controle da Tortura no Brasil, que prevê instalação de câmeras em presídios e penitenciárias; visitas regulares e sem aviso prévio feitas por promotores, defensores públicos e ONGs; e gravações em vídeo de interrogatórios.

Durante o primeiro semestre do ano, a Ouvidoria do Estado de São Paulo recebeu 13 denúncias de tortura praticada por policiais, em comparação com 7 denúncias durante o mesmo período de 2009.

Segundo o ouvidor da Polícia do Estado do Rio de Janeiro, Luiz Sérgio Wigderowitz, foram feitas duas denúncias de tortura praticada pela polícia no Rio.

A Ouvidoria do Estado de Minas Gerais informou ter recebido 87 denúncias de agressão física praticada pela polícia durante os primeiros 6 meses do ano, mas nenhuma denúncia de tortura. Em comparação, nos primeiros 6 meses de 2009 a Ouvidoria recebeu 105 denúncias de agressão física e 17 denúncias de tortura praticada pela polícia.

A Ouvidoria do Estado da Bahia relatou 27 denúncias de agressão física cometida pela polícia e nenhuma denúncia de tortura entre janeiro e 17 de dezembro. Em 2009, foram relatadas 79 denúncias de agressão física e nenhuma denúncia de tortura.

A polícia continuou a cometer abusos contra travestis que se prostituem no Rio de Janeiro, em Belo Horizonte e Salvador, segundo a ONG Grupo Gay da Bahia. As denúncias foram investigadas, mas raramente resultaram em punições (ver Seção 6, Abusos sociais).

No Rio de Janeiro, continuaram as denúncias contra membros de milícias - muitos deles policiais fora de serviço ou aposentados - que praticam abuso físico, tratamento degradante e tortura para disseminar o medo e estabelecer o controle sobre os moradores das favelas.

No caso de junho de 2009, no qual cinco índios tupinambás de Ilhéus, na Bahia, acusaram policiais federais de aplicar choques elétricos em suas costas e genitais, investigação da Polícia Federal constatou que não houve abuso de poder por parte dos agentes, pois o governo não considerou spray de pimenta e Tasers como armas. Ao que consta, investigação interna da Polícia Federal inocentou os policiais federais de agirem de forma imprópria.

Não se teve conhecimento de desdobramentos referentes à ação penal de uma pessoa presa em 2008 e de três policiais presos em janeiro de 2009 nos casos de dois jornalistas investigativos e do motorista do jornal O Dia que foram sequestrados, torturados e soltos na favela do Batan, no Rio de Janeiro, em 2008. Dois outros líderes de milícias acusados no caso foram condenados e sentenciados em agosto de 2009.

Condições das prisões e dos centros de detenção

As condições carcerárias em todo o país em geral variaram de precárias a ameaçadoras à vida; no entanto, alguns estados fizeram esforços para melhorar as condições. Abusos cometidos por carcereiros, atendimento médico precário e grave superlotação ocorreram em muitos estabelecimentos.

Funcionários das prisões com frequência recorreram ao tratamento brutal dos presos. Condições de trabalho desumanas ou perigosas, negligência por parte das autoridades, condições sanitárias precárias, abusos e maus-tratos cometidos por carcereiros e falta de assistência médica resultaram em mortes nas prisões. As condições precárias de trabalho e os baixos salários dos carcereiros estimularam a corrupção generalizada. Presos que cometeram crimes menores foram mantidos junto com assassinos. Segundo o Departamento Penitenciário Nacional, em junho havia 494.237 presos, incluindo 29.707 mulheres, encarcerados em um sistema prisional projetado para aproximadamente 300 mil.

A Constituição federal impede menores de 18 anos de serem julgados como adultos e serem encarcerados em presídios federais, estaduais e municipais. Crimes ou contravenções cometidos por menores são classificados como infrações. As penalidades para tais atos são classificadas como medidas socioeducativas. Por lei, menores de idade não devem ser mantidos em cadeias junto com adultos, mas isso nem sempre foi respeitado na prática. Diversas fontes fizeram relatos de adolescentes presos com adultos em unidades prisionais em condições desumanas, precárias e com superlotação. A capacidade insuficiente dos centros de detenção juvenil foi generalizada. Funcionário da Secretaria de Direitos Humanos informou sobre relato em primeira mão de meninos e meninas adolescentes encarcerados com adultos em presídio de Goiás durante o ano. Além disso, em maio, uma fonte jornalística informou que menores estavam sendo mantidos com adultos em um presídio superlotado no estado de São Paulo.

Segundo a SEDH, 60 mil adolescentes foram sentenciados a medidas corretivas socioeducativas. A maioria desses jovens não ficou confinada, mas 14 mil foram mantidos em centros especiais de detenção juvenil encontrados em todos os estados e no Distrito Federal. Desses, 3 mil estavam confinados em regime de liberdade assistida. Os centros de detenção foram marcados pela mesma superlotação e violência enfrentadas pelo sistema prisional para adultos. O Conselho Nacional de Justiça observou, por exemplo, que o centro de detenção Caje (Centro de Atendimento Juvenil Especializado) em Brasília foi construído para abrigar 160 adolescentes e tinha uma população de mais de 320. Em setembro, o Conselho dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes recomendou o fechamento do Caje, alegando que desde 2004 mais de 20 adolescentes sob sua supervisão haviam morrido, além de ter recebido diversos relatos de outras formas de violência como espancamentos dos detidos, motins e incêndios provocados por internos.

O governo estava ciente do abuso que ocorre tanto em seus presídios quanto nos centros de detenção juvenil e adotou medidas para enfrentar o problema, como ficou evidenciado ao patrocinar em novembro o 1º Seminário sobre Tortura e Violência no Sistema Prisional e no Sistema de Cumprimento de Medidas Socioeducativas por meio da Secretaria de Direitos Humanos, vinculada à Presidência, e do Conselho Nacional de Justiça.

No Rio de Janeiro e na maioria dos demais estados, detentos que aguardavam julgamento foram mantidos com presos condenados, devido à superlotação.

Em maio, em Recife, a polícia matou 3 presos e feriu outros 24 durante motim em presídio com capacidade para 1.400 homens que mantinha 3.600. A polícia informou ter matado pelo menos 3 presos em uma situação com reféns que durou 18 horas durante rebelião em janeiro na Penitenciária Central do Estado do Paraná. Em 25 de fevereiro, detentos se rebelaram no presídio de Serrinha, na Bahia, exigindo a transferência para outra penitenciária do estado. Os presos mataram um interno durante a rebelião. Em 9 de novembro, pelo menos 18 presos foram mortos em 2 motins em São Luis, no Maranhão. Os rebelados exigiam melhores condições, inclusive alimentação apropriada e fim da superlotação.

A ONG Conectas informou que centros penitenciários na área metropolitana de São Paulo continuaram superlotados. Estiveram em funcionamento sete centros na cidade de São Paulo, cada um mantendo população o dobro da capacidade prevista. O Centro Vila Independência, por exemplo, tinha espaço para 768 internos, mas mantinha cerca de 1.900. Segundo representante da Conectas, esses centros foram usados como prisões temporárias para aqueles que estavam aguardando julgamento ou uma situação mais permanente no sistema penitenciário. Como essas prisões são temporárias, elas não mantêm o mesmo padrão do sistema prisional de longo prazo, e os edifícios eram velhos com poucas instalações. A Conectas informou que algumas pessoas foram mantidas nesses centros por anos sem julgamento.

Em 2009, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária relatou condições extremamente precárias em dois centros de detenção em Serra, no Espírito Santo. Na Casa de Custódia de Viana (Cascuvi), 25 pessoas faziam a guarda de mais de 1.170 presos aglomerados em 3 espaços sem celas individuais em instalação projetada para 370 pessoas. O relatório descreveu falta de eletricidade e chuveiros, privacidade, assessoria jurídica, defesa dos internos e atividades de recuperação; roedores e insetos amplamente disseminados; água potável oferecida apenas uma vez ao dia; comida servida esporadicamente; assistência médica limitada; internos com doença de pele; e alegações de agressões entre os presos. Segundo a Justiça Global, as autoridades demoliram a penitenciária de Cascuvi em maio para construir um centro de detenção provisória (CDP). Em 2009, o governo do estado do Espírito Santo criou CDPs como prisões de segurança máxima, que fazem parte do programa do estado de modernização e melhoria do sistema penitenciário.

A Justiça Global, no entanto, informou que os CDPs mantiveram tanto detentos aguardando julgamento quanto presos condenados e já haviam atingido sua capacidade.

Em agosto, autoridades dos presídios do Espírito Santo anunciaram que iriam descontinuar o uso de celas metálicas (contêineres) como instalações prisionais. A Justiça Global relatou falta de informação das autoridades prisionais sobre a situação e as condições dos presos em suas instalações. A Justiça Global também afirmou não haver informações disponíveis sobre a investigação ou a punição dos agentes e detentos envolvidos em casos de morte e tortura em penitenciárias do Espírito Santo. A ONG relatou falta de informações sobre o paradeiro e a situação dos presos que foram transferidos das penitenciárias que usavam celas metálicas (contêineres).

Em junho de 2009, a Corte Interamericana de Direitos Humanos concedeu medidas cautelares em favor dos presos da carceragem da Polinter-Neves, em São Gonçalo, estado do Rio de Janeiro, devido a acesso inadequado a serviços médicos, e pediu ao governo para garantir assistência médica adequada, reduzir a superlotação e relatar suas ações à Corte. Não houve resposta do governo à Corte Interamericana, e segundo a ONG Rio de Paz, a situação da carceragem da Polinter-Neves permaneceu inalterada. A unidade tem capacidade para 350 detentos, mas mantinha 656 no fim do ano. A Associação dos Defensores Públicos informou sobre processos ajuizados para fechar a carceragem. Segundo o coordenador da Associação dos Defensores Públicos do Rio de Janeiro, Denis Sampaio, no fim do ano os processos estavam aguardando resolução e a carceragem continuava funcionando.

Em 24 de junho, a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro aprovou uma lei criando um comitê e um mecanismo de prevenção à tortura. A lei prevê o monitoramento e a supervisão de cadeias, penitenciárias, centros socioeducativos e instituições mentais do estado. No fim do ano essa lei continuava sendo implementada.

A situação da Penitenciária Feminina de Santana, em São Paulo, continuou precária, embora tenha havido algumas melhorias nas áreas de saúde e qualidade da alimentação. A penitenciária, anteriormente uma instalação para homens em edifício velho e deteriorado, estava superlotada e não contava com programas educacionais e de desenvolvimento social para as internas. As mulheres que dão à luz na penitenciária ou são mães de recém-nascidos quando presas têm permissão para manter seus filhos com elas no estabelecimento durante seis meses. A Penitenciária de Santana conta com celas especiais e assistência para 120 internas e seus filhos. Essas instalações estão localizadas no prédio do hospital.

Os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo e o Distrito Federal dispuseram de instalações carcerárias separadas para mulheres; nos demais estados, segundo a ONG Pastoral Carcerária, as mulheres foram mantidas com homens em algumas instituições. Funcionários do sexo masculino que trabalham em prisões femininas cometeram abusos e extorsão para conseguir favores sexuais.

Embora as autoridades tenham tentado manter os detentos que aguardavam julgamento separados dos condenados, a superlotação muitas vezes as obrigou a manter condenados em acomodações de detenção para presos que aguardam julgamento. Abusos continuaram a ocorrer em cadeias municipais e centros de detenção de todo o país.

Não houve informação de desdobramentos referentes às 12 pessoas, incluindo 10 policiais, indiciadas mas nunca presas pelo abuso sexual sofrido por uma menina de 15 anos, repetidas vezes, em uma cela de Abaetetuba, no Pará, em 2007. No entanto, em 20 de abril, o Conselho Nacional de Justiça decidiu por unanimidade forçar a aposentadoria da juíza que enviou a menina para a cela e não tomou nenhuma providência quando foi informada do abuso sofrido pela vítima.

Presos e detentos tiveram acesso razoável a visitas. Eles têm permissão para observar suas práticas religiosas e podem encaminhar reclamações a autoridades judiciais, embora isso nem sempre tenha sido respeitado na prática.

A política do governo permite visitas de observadores independentes de direitos humanos a prisões; no entanto, na prática as autoridades nem sempre seguem essa política. Representante da Conectas confirmou que às vezes foi difícil aos observadores externos obter permissão para visitar as prisões.

Defensores dos direitos humanos que visitaram centros de detenção juvenil em São Paulo relataram continuidade das melhorias nas condições gerais. A Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente desativou grandes centros de detenção desatualizados e propensos à violência dos internos e construiu instalações menores para facilitar a administração da população de internos. Esse processo teve início em 2006 e continuou, com 5 novos centros inaugurados durante o ano, chegando ao total de 132. Cada centro tem espaço para 56 adolescentes, com aproximadamente 7 mil mantidos no sistema. A Conectas informou que as novas instalações melhoraram as condições de vida e que não houve casos de abuso físico, rebeliões ou mortes nas instalações menores. No entanto, o centro temporário para criminosos menores não contou com instalações para atividades sociais e educacionais.

d.  Prisões e detenções arbitrárias

A lei proíbe prisões e detenções arbitrárias e estabelece que as prisões devem ser restritas àquelas efetuadas em flagrante ou por ordem de autoridade judicial; no entanto, a polícia às vezes não respeitou essa proibição na prática.

Papel da polícia e do aparato de segurança

A Polícia Federal, que opera sob a supervisão do Ministério da Justiça, é pequena, essencialmente investigativa e tem papel menor na aplicação regular da lei. A maior parte das forças policiais encontra-se sob o controle dos estados, divididas em dois efetivos distintos: Polícia Civil, composta por policiais à paisana com função investigativa, e Polícia Militar, composta por policiais uniformizados, responsáveis pela manutenção da ordem pública e pela prevenção de crimes. Embora os governos estaduais controlem suas respectivas forças policiais militares, a Constituição prevê que as forças policiais militares podem ser convocadas para o serviço militar ativo em situações de emergência. As forças militares possuem características e privilégios militares, inclusive um sistema judiciário especial.

Nas favelas do Rio de Janeiro, os grupos de milícias em geral tiveram início com policiais fora de serviço e aposentados assumindo a responsabilidade pelo policiamento comunitário. No entanto, muitos grupos de milícias começaram a assemelhar-se a grupos de traficantes de drogas, intimidando moradores e participando de atividades ilegais, como extorsão de dinheiro em troca de proteção, cobrança de taxas e oferta de serviços de utilidade pública clandestinos. A punição de policiais envolvidos com milícias foi difícil, devido à solidariedade e ao medo de represálias. A polícia em geral não operou em comunidades dominadas por milícias. Segundo estimativas de autoridades do estado, as milícias tiraram do controle dos traficantes de drogas quase cem favelas, a maioria na Zona Oeste da cidade.

Em entrevista à imprensa em setembro, o ex-secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro Marcelo Itagiba declarou que as comunidades controladas por milícias aumentaram de 42 para 171 nos últimos 4 anos.

Em outubro, a imprensa local informou que policiais militares do Rio de Janeiro prenderam oito membros da milícia Piraquê, entre eles, um policial civil, dois policiais militares e um oficial do Exército. Reportagens da imprensa afirmaram que a milícia cobrava dos moradores locais pelo fornecimento de segurança e serviços públicos.

Em janeiro, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro e a Polícia Civil deram início a um curso de capacitação em direitos humanos para policiais militares do Rio de Janeiro. Durante o ano, 500 policiais participaram do curso, programa "treine o treinador", que já foi oferecido a cerca de 38 mil policiais. Segundo a secretaria, os cursos de direitos humanos foram um componente obrigatório da capacitação de policiais militares em início de carreira. Outros estados, como Santa Catarina, também integraram elementos de direitos humanos na capacitação dos policiais.

A Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro informou que 29.873 policiais receberam cursos de capacitação on-line em direitos humanos durante o ano, em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Procedimentos de prisão e tratamento durante a detenção

Com exceção das prisões em flagrante de suspeitos, as prisões devem ser feitas mediante mandado judicial. O uso da força durante a prisão é proibido, a menos que o suspeito tente escapar ou resista à prisão. Os suspeitos devem ser informados dos seus direitos no momento da prisão ou antes de serem detidos para interrogatório.

As autoridades, de modo geral, respeitaram o direito constitucional de pronta decisão judicial sobre a legalidade da detenção. Os detentos em geral foram informados prontamente sobre as acusações feitas contra eles. A lei permite a detenção provisória por até cinco dias em condições específicas durante a investigação policial, mas o juiz pode prolongar esse período. Um juiz pode também ordenar detenção temporária por mais cinco dias para processamento da documentação. A detenção preventiva por um período inicial de 15 dias é permitida se houver indícios de que o suspeito possa sair da região. Ela pode ser renovada sob circunstâncias específicas. Houve alguns casos de presos - geralmente pobres e sem instrução - detidos por períodos superiores aos estipulados.

Os réus presos em flagrante devem ser denunciados em até 30 dias a partir da data da prisão. Os demais réus devem ser acusados em até 45 dias, embora esse período possa ser prolongado. Na prática, os atrasos da Justiça quase sempre resultaram em prolongamento do período para a acusação dos réus. Houve possibilidade de pagamento de fiança para a maioria dos crimes, e os réus acusados de crime, exceto os mais graves, tiveram direito a audiência para determinação dos valores da fiança. Em geral, as autoridades penitenciárias permitiram que os detentos tivessem acesso imediato a um advogado; indigentes tiveram direito a um advogado do Estado. Os detentos também tiveram permissão para fazer contato imediato com seus familiares.

Observadores de direitos humanos afirmaram que a Polícia Civil e a Polícia Militar com frequência detiveram pessoas ilegalmente para extorquir dinheiro ou favores.

A lei não estabelece um período máximo para a detenção de presos que aguardam julgamento, o que é definido caso a caso. O período de detenção anterior ao julgamento é subtraído da sentença.

e.  Negação de julgamento público imparcial

A Constituição determina que o Judiciário atue como poder independente, e o governo, de modo geral, respeitou essa determinação na prática; no entanto, o Judiciário não dispôs de recursos suficientes, foi ineficiente e com frequência esteve sujeito a intimidações e influências políticas e econômicas, em particular na esfera estadual, situação que resultou na ação de grupos de justiceiros. Vários juízes seniores continuaram sob investigação em todo o país, por várias acusações.

Embora a lei estabeleça que os julgamentos sejam realizados em um determinado período de tempo, definido de acordo com circunstâncias individuais, o atraso generalizado de casos em âmbito estadual e federal muitas vezes levou a Justiça a encerrar processos antigos sem a realização de audiência.

Procedimentos de julgamento

O direito a um julgamento público imparcial, como previsto pela lei, de modo geral foi respeitado na prática, embora em algumas regiões - principalmente nas zonas rurais - o Judiciário tenha se mostrado menos capaz profissionalmente e mais sujeito a influências externas. Por exemplo, quando os casos envolveram pistoleiros contratados por proprietários de terras para matar ativistas ou sindicalistas rurais, a polícia local geralmente foi menos diligente nas investigações, os promotores relutaram em dar início aos procedimentos e os juízes encontraram motivos para protelações. Após a prisão, o juiz dá vistas ao processo e determina se procede; em caso afirmativo, encaminha-o a um promotor de Justiça estadual que decide se efetua uma denúncia. A lei reconhece a competência de um júri para julgar casos que envolvam crimes contra a vida. Os juízes têm competência para julgar aqueles acusados de crimes menores.

Os réus gozam de presunção de inocência e têm direito de acareação e de fazer perguntas às testemunhas e também de recorrer. Um grande atraso nas ações judiciais prejudicou a capacidade dos tribunais de recursos de assegurar julgamentos imparciais e rápidos.

Embora a lei preveja o direito a um advogado de defesa, o Ministério da Justiça estimou que aproximadamente 90% dos presos não dispunham de recursos para a contratação de advogado. Na maioria dos casos, a Justiça deve instituir um defensor público ou um advogado particular às expensas públicas. O Ministério Público continuou a contratar defensores públicos, mas o déficit de pessoal continuou em todos os estados. Por exemplo, segundo a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro, havia 700 defensores públicos no estado do Rio de Janeiro, déficit de pessoal de 18%.

A legislação dispõe que a competência para julgar a Polícia Militar dos estados é dos tribunais de Justiça Militar, salvo nos casos de policiais acusados de "crimes dolosos contra a vida", especialmente homicídio. Exceto nos casos mais chocantes, os tribunais militares foram responsáveis por decidir se o crime foi ou não intencional. Consequentemente, os tribunais civis, que têm competência sobre os homicídios cometidos pela polícia, receberam poucos casos de encaminhamento envolvendo assassinatos cometidos por policiais. Além disso, a exigência para que a investigação inicial seja conduzida pela Corregedoria da Polícia aumentou a possibilidade de investigações morosas. Quase sempre a própria polícia é responsável pela investigação das acusações de tortura e uso excessivo da força praticados por integrantes de seus quadros; no entanto, as investigações independentes aumentaram. A morosidade encontrada nos tribunais de Justiça Militar levou à prescrição de muitos casos de suposta tortura e acusações de crimes menores.

Presos e detentos políticos

Não houve relatos de presos ou detentos políticos.

Procedimentos e remédios judiciais civis

Embora o sistema judiciário preveja um Judiciário Civil independente, os tribunais estiveram sobrecarregados com atrasos consideráveis e, às vezes, ficaram sujeitos a corrupção, influências políticas e intimidações. Os cidadãos podem entrar com ações judiciais nos tribunais por violações dos direitos humanos.

f.  Interferência arbitrária na privacidade, na família, no lar ou na correspondência

A lei proíbe essas práticas, mas houve relatos confiáveis de ONGs de que a polícia efetuou buscas sem mandado judicial. Grupos de direitos humanos, outras ONGs e a mídia relataram incidentes frequentes de invasões violentas da polícia em favelas e bairros pobres. Durante essas operações, a polícia deteve e interrogou pessoas e revistou carros, residências e estabelecimentos comerciais sem mandado judicial. Durante operações de aplicação da lei realizadas em novembro e dezembro, as Forças Armadas entraram na favela do Complexo do Alemão como parte do Programa de Pacificação das Favelas. ONGs, entre elas a Rede Contra a Violência, afirmaram que essas autoridades entraram à força em casas, sem mandados, e saquearam alguns moradores. Vítimas relataram buscas sem mandado, inclusive buscas abusivas e violentas em mulheres. Escutas telefônicas (grampos) autorizadas judicialmente são permitidas. A inviolabilidade da correspondência privada em geral foi respeitada.

Em 22 de junho, um porta-voz da Ordem dos Advogados do Brasil denunciou a instalação por autoridades federais de equipamentos de gravação em salas de visitas reservadas para conversas entre advogados e presos federais em quatro presídios do país como violação do sigilo profissional do advogado, tornando "impossível o exercício do direito de defesa". Sete policiais correcionais em uma penitenciária federal de segurança máxima no estado do Mato Grosso do Sul levaram a instalação desses equipamentos à atenção da Ordem dos Advogados. Autoridades federais afirmaram que os equipamentos foram instalados exclusivamente para fins de segurança e que as conversas entre os advogados e seus clientes não eram gravadas com regularidade, a menos que autorizadas por um juiz.

Em 27 de setembro, um juiz federal em São Paulo decidiu que as provas obtidas por escutas ilegais eram inadmissíveis em um processo envolvendo acusações de formação de quadrilha contra 12 pessoas, inclusive 2 autoridades fiscais, resultante de uma investigação de 2007.

Seção 2  Respeito às liberdades civis, incluindo:

a.  Liberdade de expressão e de imprensa

A lei garante a liberdade de expressão e de imprensa, e as autoridades em geral respeitaram tal direito na prática. A mídia independente foi ativa e expressou ampla variedade de opiniões com restrições mínimas; no entanto, criminosos e outros indivíduos, como militantes de partidos políticos, continuaram a submeter jornalistas a atos de violência devido às suas atividades profissionais (ver também Seções 1.a. e 1.c.).

A Associação Nacional de Jornais (ANJ) continuou a relatar casos de prisão, agressão, censura e desrespeito à liberdade de imprensa. Entre agosto de 2008 e novembro de 2010, a ANJ informou sobre 74 casos de censura, ameaças, violência direta contra jornalistas e outras formas de pressão contra órgãos e profissionais de imprensa. Desses, 34 ocorreram durante o ano, incluindo 2 mortes, 1 prisão, 11 casos de censura, 10 tentativas de lesão corporal e 2 explosões de bombas. Dos 74 casos, 26 representaram decisões judiciais e 10 foram decisões da Justiça Eleitoral restringindo os jornalistas de noticiar matérias específicas sobre as eleições. Em quatro casos, membros do Judiciário foram autores de ações legais envolvendo reportagens da imprensa em que foram mencionados.

Em 19 de outubro, um pistoleiro matou a tiros o jornalista Francisco Gomes de Medeiros, da Rádio Caicó, no Rio Grande do Norte. Segundo a polícia, o réu matou Gomes de Medeiros devido às acusações que o jornalista fez na rádio, ligando o mandante do crime ao tráfico de drogas. O Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Norte considerou o caso um exemplo intimidador de retaliação do crime organizado.

A ANJ considerou a ameaça mais séria à liberdade de imprensa o número crescente de decisões judiciais proibindo a mídia de noticiar sobre determinadas atividades. Entre os casos de maior repercussão relatados pela ANJ estão dois exemplos de censura prévia judicial nos quais os tribunais proibiram jornais de noticiar sobre investigações em andamento.

  • Em setembro, o Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins proibiu 84 publicações - inclusive O Estado de S. Paulo e a revista Veja - de noticiarem sobre uma investigação do Ministério Público de São Paulo contra o governador do Tocantins e candidato à reeleição, Carlos Gaguim. A decisão foi posteriormente suspensa, mas não antes de a polícia local ser despachada para o aeroporto da capital do estado para apreender uma remessa da revista de maior circulação nacional contendo reportagem sobre esse assunto.
  • Conforme decisão da Justiça de julho de 2009, o jornal O Estado de S. Paulo e seu site continuaram proibidos de noticiar sobre a investigação da Polícia Federal de suposta corrupção praticada por Fernando Sarney, filho do presidente do Senado.

Em agosto, durante o 8º Congresso Brasileiro de Jornais (patrocinado pela ANJ), os candidatos à Presidência José Serra e Dilma Rousseff assinaram a Declaração de Chapultepec, que obriga seus signatários a respeitar e defender a liberdade de imprensa.

Em 26 de agosto, em resposta a um recurso interposto pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a legislação que proibia a sátira de políticos durante a campanha eleitoral. A ONG Repórteres sem Fronteiras havia se referido à lei como vestígio do período autoritário.

Durante a fase final da campanha eleitoral em setembro, o presidente Lula criticou publicamente o noticiário da imprensa sobre a renúncia da ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, por suposto tráfico de influência, afirmando que as reportagens tinham motivação política.

Liberdade na internet

O governo não restringiu o acesso à internet e não houve relatos de que o governo tenha monitorado e-mails ou salas de bate-papo da internet. Indivíduos e grupos puderam expressar suas opiniões com tranquilidade pela internet, inclusive por e-mail. Em março, o Google informou índices altos de solicitações do governo para remoção de conteúdo e altos níveis de solicitações de dados pessoais. Observadores atribuíram esse fato a investigações do governo sobre pornografia infantil e racismo e à relativa facilidade de abertura de ações particulares exigindo a remoção de conteúdo e solicitando dados para a identificação da pessoa que originou as postagens.

Como ocorreu com a liberdade de expressão na imprensa, as restrições do governo à liberdade de expressão se estenderam à internet com decisões judiciais determinando a remoção de uma ampla variedade de materiais, muito além de pornografia infantil. Houve ordem para a remoção de informações como cobertura de má conduta judicial e negociações comerciais. Segundo estimativa do Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ), um congressista entrou com mais de 44 processos contra 38 jornalistas.

As medições de audiência da internet feitas pelo Ibope Nielsen Online registraram que 39,2 milhões de pessoas usaram a internet com regularidade em casa, e a União Internacional de Telecomunicações informou que o uso da internet aumentou aproximadamente 39% em 2009.

Em julho, novas regras eleitorais foram divulgadas para regulamentar as campanhas presidenciais na internet, permitindo a realização de debates em blogs, redes sociais e sites, junto com propaganda via e-mail e mensagens SMS (serviço de mensagens curtas). As novas regras proibiram os candidatos de comprar espaço publicitário on-line, restringindo as presenças das campanhas on-line a sites operados pelos candidatos. As regulamentações também determinaram o registro dos sites no Tribunal Eleitoral e tornaram a injúria, calúnia e difamação on-line passíveis de punição por multa.

Liberdade acadêmica e eventos culturais

Não houve restrições do governo à liberdade acadêmica ou a eventos culturais.

b.  Liberdade de reunião e associação pacíficas

A lei garante a liberdade de reunião e associação, e o governo em geral respeitou tal direito na prática.

c.  Liberdade de religião

Para uma descrição completa da situação da liberdade religiosa, consulte o Relatório sobre Liberdade Religiosa Internacional 2010 em www.state.gov/g/drl/irf/rpt.

d.  Liberdade de locomoção, pessoas deslocadas internamente, proteção a refugiados e apátridas

A Constituição garante liberdade de locomoção dentro do país, de viagem ao exterior, de emigração e repatriação, e o governo, de modo geral, respeitou esses direitos na prática, embora tenha havido restrições para a entrada em áreas indígenas protegidas.

O governo cooperou com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados e outras organizações humanitárias para fornecer proteção e assistência a refugiados, solicitantes de asilo e outras pessoas que são motivo de preocupação.

A lei proíbe o exílio forçado, e não houve casos de exílio forçado.

Proteção de refugiados

A legislação dispõe sobre a concessão de asilo ou condição de refugiado, e o governo estabeleceu um sistema de concessão de proteção a refugiados. Na prática, o governo concedeu proteção contra a expulsão ou o retorno de refugiados a países onde sua vida ou liberdade estariam ameaçadas devido a raça, religião, nacionalidade, filiação a determinado grupo social ou opinião política. Em julho de 2009, o presidente Lula aprovou uma lei que permitiu aos estrangeiros que entraram no país ilegalmente até 1º de fevereiro solicitar residência temporária de dois anos; em fevereiro, cerca de 43 mil pessoas haviam sido anistiadas por essa lei. O maior grupo de beneficiados, cerca de 17 mil pessoas, foi o de bolivianos e muitos deles se beneficiaram da situação regularizada para sair de condições abusivas de trabalho.

Segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), instância interministerial e interinstitucional, dos 4.294 refugiados reconhecidos de 76 países presentes no país em junho, a maioria era de Angola (1.688), Colômbia (589) e República Democrática do Congo (420); 132 eram de Cuba. Dois terços eram mulheres e 399 foram reassentados no país.

Seção 3    Respeito aos direitos políticos: o direito dos cidadãos de eleger seus governantes

A lei assegura aos cidadãos o direito de mudar o governo pacificamente, e os cidadãos exerceram tal direito na prática, por meio de eleições periódicas, livres e imparciais, por sufrágio universal. Os alistados no serviço militar não podem votar.

Eleições e participação política

Nas eleições gerais de 2010, consideradas em geral livres e justas, a candidata do Partido dos Trabalhadores, Dilma Rousseff, conquistou um mandato de quatro anos como presidente. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mais de 150 observadores internacionais de 36 nações aceitaram convites para acompanhar as eleições de outubro. Entre os representados, estavam a Organização dos Estados Americanos, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, o Mercosul e várias ONGs da África e do Haiti.

Os partidos políticos atuaram sem restrições ou interferência externa.

As mulheres gozam de plenos direitos políticos, e em outubro o país elegeu sua primeira mulher presidente. A lei exige que 30% dos candidatos registrados de cada partido político sejam mulheres, mas isso nem sempre foi respeitado na prática. Segundo o TSE, foram 3.968 candidatas nas eleições de outubro, em comparação a 15.504 candidatos. Nas eleições de outubro, foram eleitas 11 mulheres entre os 81 membros do Senado e 43 mulheres entre os 513 membros da Câmara dos Deputados. Entre os 27 governadores eleitos, há duas mulheres. Havia 3 mulheres no ministério do presidente Lula, formado por 37 membros; 2 no Supremo Tribunal Federal, formado por 11 membros; 5 no Superior Tribunal de Justiça, entre 33 membros; e 1 no Superior Tribunal Militar, entre 14 membros. As mulheres conquistaram 12,9% das cadeiras nas eleições estaduais (ligeiro aumento em comparação aos 11,2% em 2006) e 12,6% nas eleições municipais. Em dezembro, a presidente eleita Dilma Rousseff escolheu nove mulheres para integrar seu ministério, empossado em 1º de janeiro de 2011.

Vinte e cinco afro-brasileiros foram eleitos para o Congresso (3 senadores e 22 deputados) e 21 afro-brasileiros foram eleitos para as assembleias estaduais, segundo o Instituto de Política, Administração Pública e de Empresas e Tecnologias. Havia dois autoidentificados afro-brasileiros no ministério, um outro no Supremo Tribunal Federal e um no Superior Tribunal de Justiça.

Seção 4      Corrupção de autoridades e transparência no governo

A lei prevê penalidades criminais pela prática de corrupção por parte das autoridades, e as penalidades para corrupção durante o ano foram reforçadas; no entanto, o governo nem sempre aplicou a lei com eficácia e, com frequência, autoridades envolvidas em corrupção ficaram impunes. O indicador de governança no mundo do Banco Mundial mostrou que a corrupção continuou sendo um problema grave.

O governo recuperou R$ 390 milhões desviados de seus recursos públicos pela corrupção, aumento de 35% em relação a 2009. Durante o ano a Advocacia-Geral da União (AGU), órgão de prestação de contas do governo que fornece orientação jurídica ao Poder Executivo, garante que o governo cumpra as exigências legais e administrativas e pode representar o governo na Justiça, apresentou 3.706 ações em um esforço para recuperar um total de R$ 2,498 bilhões suspeitos de terem sido desviados pela corrupção. Segundo o site da AGU, mais de R$ 566 milhões desse valor foram encontrados em contas bancárias de prefeitos, ex-prefeitos, servidores públicos e executivos de empresas envolvidos em operações ilegais. Os recursos em questão foram bloqueados ou apreendidos enquanto se aguarda as ações da AGU.

A Lei da Ficha Limpa aprovada pelo Congresso em maio proíbe políticos de concorrer a cargos eletivos caso sejam acusados de corrupção. Um tribunal federal de instância inferior decidiu em junho que a Lei da Ficha Limpa, inicialmente prevista para entrar em vigor apenas para as eleições de 2012, também se aplicaria às eleições gerais e estaduais durante o ano. Em 28 de outubro, o STF manteve a decisão de setembro do TSE de aplicar a lei para as eleições de outubro, nos casos em que um político houvesse renunciado ao cargo para evitar a cassação. A decisão envolveu um recurso do candidato ao Senado Jader Barbalho, do Pará, tornado inelegível.

Nos casos nos quais os candidatos foram removidos de cargos anteriores por decisões judiciais ou cassações, a decisão de 28 de outubro do STF não se aplicou, deixando vários outros parlamentares eleitos em 3 de outubro aguardando decisões de recursos individuais. Em setembro, decisões anteriores do tribunal eleitoral, de que a Ficha Limpa se aplicaria, forçaram alguns políticos que enfrentavam denúncias de corrupção, como o ex- governador do Distrito Federal Joaquim Roriz, a se retirar das disputas porque poderiam depois ser considerados inelegíveis para o cargo.

Em novembro de 2009, foram divulgados videoteipes do então governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, e de vários de seus aliados políticos no governo, aparentemente recebendo propina em anos anteriores. Em fevereiro, Arruda renunciou ao cargo e foi depois preso e mantido sem direito a fiança por dois meses. Em 16 de março, o Tribunal Regional Eleitoral decidiu cassar o mandato de Arruda. Em 12 de abril, ele foi solto sob fiança e no fim do ano estava aguardando julgamento. O caso teve cobertura da imprensa nacional, e Arruda não concorreu à reeleição.

Em 10 de setembro, a Polícia Federal prendeu o governador do Amapá, Pedro Paulo Dias, e outras 17 pessoas sob acusações de corrupção. O governador anterior e então candidato ao Senado, Waldez Góes, estava entre os que foram presos, por desvio de recursos públicos e envolvimento com o crime organizado. Em 18 de setembro, o governador foi solto, junto com o ex-governador, e voltou a assumir seu cargo para completar seu mandato, encerrado em 31 de dezembro. Dias não foi reeleito na disputa de 31 de outubro.

Não se teve conhecimento de desdobramentos da investigação de Romero Menezes, ex-diretor executivo e segundo homem na hierarquia da Polícia Federal, suspeito de vazamento de informações a seu irmão sobre investigação de fraude e exonerado em 2008.

As autoridades públicas ficaram sujeitas às leis que estabelecem a obrigatoriedade da declaração de bens e rendas. Uma lei de 2009 previa mais transparência no financiamento de campanhas. Órgãos do governo federal como o Tribunal de Contas da União, a Controladoria-Geral da União, o Ministério Público, a Polícia Federal, o Judiciário, a Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras e o Tesouro Nacional existem para combater a corrupção. Esses órgãos identificaram gastos públicos como fonte de corrupção financeira; no entanto, tiveram poderes limitados para operar de maneira eficaz.

A lei prevê o acesso público a informações não confidenciais do governo por meio de solicitação à Comissão de Ética Pública; no entanto, a liberação dessas informações quase sempre foi morosa.

Seção 5       Postura do governo referente a investigações internacionais e não governamentais de denúncias de violações de direitos humanos

Vários grupos de direitos humanos nacionais e internacionais atuaram em geral sem restrições do governo e investigaram e publicaram suas constatações sobre casos de direitos humanos. As autoridades federais com frequência colaboraram e mostraram-se receptivas à opinião desses grupos. Embora as autoridades federais e estaduais em muitos casos tenham solicitado ajuda e cooperação de ONGs nacionais e internacionais para tratar de questões relativas aos direitos humanos, monitores de direitos humanos algumas vezes foram ameaçados e hostilizados - em particular por membros das polícias estaduais - quando tentavam identificar e adotar medidas contra violadores desses direitos.

Embora a maioria dos estados tenha contado com ouvidorias de polícia, ONGs e observadores de direitos humanos questionaram sua eficácia e independência. A eficácia dos ouvidores variou consideravelmente, dependendo dos recursos financeiros disponíveis e da pressão política externa, e eles não divulgaram recomendações nem relatórios significativos durante o ano.

Tanto a Câmara dos Deputados quanto o Senado contam com comissões de direitos humanos que atuaram de forma independente e participaram de várias atividades em todo o país em conjunto com organizações nacionais e internacionais de direitos humanos.

Seção 6       Discriminação, abusos sociais e tráfico de pessoas

Embora a lei proíba e penalize a discriminação com base em raça, gênero, deficiência física ou condição social, a discriminação contra mulheres, afro-brasileiros, homossexuais e índios continuou a existir.

Mulheres

O estupro, inclusive do cônjuge, é crime passível de pena de oito a dez anos de prisão; no entanto, homens que cometeram crimes contra a mulher, entre os quais homicídio e assalto sexual, raramente foram levados a julgamento. De janeiro a junho, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo registrou 4.796 casos de estupro, em comparação com 1.996 durante o mesmo período de 2009. Parte desse aumento acentuado foi atribuída à promulgação de uma lei federal que ampliou a definição de estupro e, portanto, o número de casos incluídos na estatística.

A violência doméstica continuou disseminada e subnotificada às autoridades, embora os relatos tenham aumentado. O governo federal manteve em funcionamento uma central de atendimento gratuito à mulher (24 horas por dia) em todo o território nacional. Das denúncias de violência doméstica registradas na central de atendimento durante o ano, 78% foram consideradas violência física e 22%, ameaças. Para esses casos a Lei Maria da Penha aumenta a pena de um para três anos de prisão e cria juizados especiais. Não houve informação disponível sobre o número de processos ou condenações de violência doméstica, embora em julho a CNN tenha noticiado que dez mulheres foram mortas diariamente por violência doméstica. O Instituto de Segurança Pública informou que no Rio de Janeiro 128 mulheres foram vítimas de ameaças do marido todos os dias e 44 foram vítimas de tentativa de homicídio por parte do marido.

Segundo dados da central de atendimento registrados de janeiro a setembro pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, o número de ligações recebidas em âmbito nacional subiu para 552.034, aumento de 23% em relação ao mesmo período de 2009. Das denúncias recebidas, 51.736 referiam-se a abuso físico, aumento de 113% em relação ao ano anterior. Em quase 70% dos casos relatados, foi informado que os filhos testemunharam o abuso. Cinquenta e oito por cento das mulheres que ligaram relataram sofrerem abusos físicos diariamente; a maioria culpou seus parceiros, que normalmente estavam sob a influência de álcool ou drogas. Segundo reportagens da imprensa, 58% dos casos registrados envolveram parceiros que moravam com a vítima, 58% dos quais eram casados. Outros 15% dos casos envolveram ex-namorados.

Autoridades consideraram o aumento nos relatos de violência doméstica um sinal de que mais mulheres venceram o medo e a pressão da sociedade e estão dispostas a romper o silêncio sobre os abusos. A delegada da Polícia Civil do Distrito Federal, Sandra Gomes Melo, delegada-chefe da Delegacia da Mulher de Brasília, afirmou que o aumento nos relatos não significava aumento da violência, mas maior conscientização entre as mulheres do Distrito Federal de todas as idades, níveis educacionais e classes sociais. Aproximadamente 4 mil casos por ano foram registrados nessa delegacia da mulher, de cerca de 9 mil no Distrito Federal (com população de 2,5 milhões). Segundo a delegada Sandra Gomes Melo, talvez um terço dos relatos resulte em ação penal, mas muitos juízes optaram por penas alternativas, como terapia. A falta de confiança de que o sistema judiciário ou a polícia poderiam proteger as mulheres que sofrem abuso contribuiu para a relutância por parte de algumas mulheres de processar os que cometeram os abusos.

Segundo pesquisa nacional do Instituto Avon/Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística realizada em fevereiro de 2009, 62% das mulheres e 48% dos homens conheciam uma mulher que havia sofrido violência doméstica. Dos entrevistados, 24% disseram que as mulheres continuavam com um parceiro violento por razões econômicas; 23%, pelo bem-estar dos filhos; e 17%, por temerem pela própria vida. Cinquenta e seis por cento dos entrevistados não confiavam que a polícia ou o sistema judiciário pudesse proteger uma mulher violentada.

A proteção de mulheres que relataram ameaças nem sempre foi adequada. Em outubro, em Itajaí, Santa Catarina, Márcia Regina de Souza Pacheco foi morta pelo ex-marido em frente a uma delegacia de polícia depois de fazer sete boletins de ocorrência de agressão e ameaça. Em janeiro, em Belo Horizonte, Minas Gerais, a cabeleireira Maria Islaine de Morais foi morta em seu salão pelo ex-marido. Ela havia feito cinco boletins de ocorrência por ameaças de morte.

Desde março de 2009, o governo federal incentivou a criação de juizados especiais para violência doméstica e familiar, e, segundo o Conselho Nacional de Justiça, em outubro, havia 43 juizados especiais em 23 dos 26 estados e no Distrito Federal. O Juizado Especial de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do estado de São Paulo duplicou sua capacidade de tratar desses casos.

Todas as secretarias estaduais de Segurança Pública contaram com Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher (DEAMs), delegacias de polícia que lidam exclusivamente com crimes contra a mulher, totalizando 475 em todo o país, em 397 municípios (7% dos 5.565 municípios do país). A qualidade dos serviços variou muito, e a disponibilidade foi mais limitada nas áreas rurais. Por exemplo, a maioria das DEAMs estava localizada no Sul e Sudeste, enquanto as regiões Norte e Nordeste, que abrigam cerca de 35% da população brasileira, contaram com somente 24% das DEAMs do país. As DEAMs oferecem aconselhamento psicológico, abrigo temporário e tratamento hospitalar às vítimas de violência doméstica e de estupro (incluindo tratamento do HIV e de outras doenças sexualmente transmissíveis) e também assistência nos processos de ações penais por meio de investigação e encaminhamento de provas aos tribunais. Durante o ano também estiveram em funcionamento 496 centros de referência e 262 abrigos para mulheres.

Considerada modelo, a DEAM do Distrito Federal contou com atendimento 24 horas, com turnos de uma delegada de polícia, quatro policiais mulheres e um escrivão, além de um antropólogo social, dois psicólogos e um assistente social. As mulheres que foram à delegacia da mulher tiveram direito a abrigo, perícia forense e um kit contendo roupas e artigos de higiene pessoal. Uma unidade móvel da delegacia da mulher também atendeu comunidades carentes e capacitou líderes comunitários, médicos, professores e promotores voluntários.

No Rio de Janeiro, a Coordenadoria Especial de Promoção da Política para Igualdade de Gênero (Cepig) concedeu assistência a mulheres vítimas de violência doméstica que sofreram ameaças de morte. Quando necessário, as vítimas foram encaminhadas para abrigos específicos, que também oferecem assistência psicológica e jurídica. A Cepig administrou a Casa Abrigo Cora Coralina, que atendeu 42 vítimas de violência doméstica; dois outros governos municipais operaram abrigos (em Campos e Volta Redonda); e o governo estadual administrou um abrigo com capacidade para atender 80 mulheres. Além da Cepig, as vítimas de violência doméstica puderam receber ajuda no Centro de Apoio à Mulher, iniciativa do governo do estado do Rio de Janeiro que oferece um número de disque-denúncia, abrigos e assistência jurídica e psicológica. A Cepig informou que o governo municipal do Rio de Janeiro inaugurou um abrigo temporário para atender mulheres vítimas de violência doméstica que precisam de assistência quando outros abrigos estão fechados.

Nos casos em que a mulher sofre agressão física, sexual ou psicológica, a lei exige que os centros de saúde comuniquem à polícia para coleta de provas e depoimentos, caso a vítima decida entrar com ação judicial.

Embora não haja legislação específica sobre turismo sexual, esse crime é passível de punição com base em outras infrações penais. O governo publicou um código de conduta para combater o turismo e a exploração sexuais e fez campanhas nas áreas de maior incidência do problema. O Distrito Federal e os estados do Rio de Janeiro, da Bahia, de Pernambuco, do Espírito Santo, Amazonas e Paraná têm leis exigindo que determinados estabelecimentos afixem cartazes com as penalidades a que estão sujeitos aqueles que mantêm relações sexuais com menores. Grupos de mulheres relataram que prostitutas sofreram discriminação ao procurar atendimento médico gratuito.

O assédio sexual é crime, com penas de até dois anos de prisão. A lei abrange investidas sexuais em locais de trabalho ou em instituições educacionais, bem como entre prestadores de serviços ou clientes. No local de trabalho, a lei aplica-se apenas em situações hierárquicas, nas quais o agressor tem posição ou cargo mais elevados que o da vítima. Embora a legislação tenha sido aplicada, as denúncias foram raras, e a extensão do problema não foi documentada.

Os casais e as pessoas têm o direito de decidir o número de filhos, onde e quando tê-los, e tiveram acesso a informações e meios para tomar essa decisão livremente e sem discriminação. O acesso a informações sobre contracepção e atendimento profissional no parto e no pós-parto de modo geral esteve disponível nas áreas urbanas, mas não nas áreas rurais. Segundo o Bureau de Referência Populacional, o uso de contraceptivos entre mulheres casadas foi de 81%, e estima-se que a taxa de mortalidade materna em 2008 tenha sido de 58 mortes por 100 mil nascidos vivos. Mulheres e homens tiveram acesso igual a serviços de diagnóstico e tratamento de infecções transmitidas sexualmente, inclusive HIV.

As mulheres tiveram os mesmos direitos políticos e jurídicos dos homens, e em outubro uma mulher foi eleita presidente (ver Seção 3).

A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, órgão vinculado à Presidência, tem como objetivo assegurar os direitos da mulher. Embora a lei proíba a discriminação de gênero no que diz respeito a empregos e salários, houve disparidades salariais expressivas entre homens e mulheres. Segundo o Ministério de Trabalho e Emprego (MTE), as mulheres frequentemente ganham menos que os homens em funções iguais. Segundo pesquisa publicada em dezembro pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), houve diferença salarial significativa entre homens e mulheres.

A lei concede 120 dias de licença-maternidade remunerada para as mulheres e 7 dias de licença-paternidade para os homens. A lei também proíbe que os empregadores exijam testes de gravidez ou atestados de esterilização a candidatas a vagas ou a funcionárias, mas alguns empregadores continuaram a pedir tais atestados das candidatas ou evitaram contratar mulheres em idade fértil. Os empregadores que infringem a lei estão sujeitos a penas de até dois anos de prisão, e a empresa pode pagar multa equivalente a dez vezes o salário de seu empregado mais bem remunerado.

Crianças

A cidadania é obtida pelo nascimento no país ou de um dos pais. Segundo a SEDH, aproximadamente 9% das crianças nascidas no país em 2008 não foram registradas, e um total estimado de 248 mil crianças não tinha certidão de nascimento. A campanha do governo federal para aumentar o registro de nascimentos e padronizar as certidões de nascimento, lançada há um ano, concentrou-se nas regiões Norte e Nordeste e nas populações rurais mais vulneráveis e visou reduzir os nascimentos não registrados a 5% até o fim do ano. No entanto, continuou a haver grandes discrepâncias relacionadas a registros entre os estados mais ricos do Sul e Sudeste e os estados mais pobres das regiões Norte e Nordeste do país. Os estados com incidência mais alta de crianças não registradas foram Amazonas, Pará e Maranhão. Em 6 de setembro, o Conselho Nacional de Justiça publicou disposição estabelecendo uma rede entre cartórios e hospitais destinada a acelerar o processo de emissão de certidões de nascimento.

Embora a lei proíba a negligência ou o abuso de crianças ou adolescentes, o abuso foi um sério problema e incluiu estupro, molestamento e engravidamento de meninas por outros membros da família. A SEDH supervisiona o Programa Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes, que definiu estratégias nacionais para combater o abuso sexual de crianças e melhores práticas para tratar as vítimas. A SEDH financiou projetos municipais e de ONGs em todo o país para apoiar serviços para vítimas de abuso sexual.

De janeiro a junho, o Disque-Denúncia Nacional de Abuso e Exploração Sexual contra Crianças e Adolescentes, operado pela SEDH, registrou 20.263 denúncias de abuso, número equivalente ao registrado no mesmo período de 2009. Foram relatados 2.478 casos de exploração sexual, 4.741 casos de abuso sexual, 5.769 casos de negligência e 7.209 de violência física ou psicológica. Cerca de 58% das vítimas eram meninas; nesses casos, as denúncias mais comuns foram de negligência e violência sexual. Aproximadamente 80% das vítimas de abuso sexual de crianças e adolescentes eram meninas, que também sofreram ligeiramente mais do que os meninos com agressões físicas e psicológicas. Denúncias de abusos de menores e de crimes contra crianças não foram encaminhadas de maneira firme ou adequada.

Segundo a ONG Rede Criança de Combate à Violência Doméstica, que operou três centros na área municipal de São Paulo, o número de casos relatados de abuso sexual e agressão física contra crianças aumentou, superando a capacidade dos centros e criando uma lista de espera para aqueles que buscam tratamento. A ONG relatou diminuição na idade média das vítimas.

A prostituição infantil foi um problema, contribuindo para isso principalmente a pobreza extrema. A Polícia Federal continuou a estimar o envolvimento de mais de 250 mil crianças com prostituição. A lei estabelece 14 anos como a idade mínima para o consentimento de relação sexual, com penas para estupro variando entre 8 e 15 anos de prisão. O disque-denúncia nacional registrou 9.600 denúncias de casos de exploração sexual de crianças e adolescentes entre janeiro e setembro.

Em 23 de agosto, a SEDH firmou acordo com 24 grandes empresas públicas e privadas, incluindo a Petrobras e a Vale, para combater a exploração sexual de crianças e adolescentes relacionada com grandes projetos de construção em todo o país.

Segundo a ONG Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes, os padrões de exploração sexual de crianças corresponderam ao perfil econômico e social das diferentes regiões do país. Na Região Amazônica, a exploração sexual de crianças concentrou-se nos bordéis que atendem aos assentamentos de mineração. Nos grandes centros urbanos, meninas que saíram de casa para fugir de abusos ou exploração sexual em geral se prostituíram nas ruas para sobreviver. Nas cidades do litoral nordestino, continuou a ocorrer o turismo sexual que explora crianças, com a participação de redes formadas por agentes de viagem, funcionários de hotéis, taxistas, entre outros, que foram bastante ativos no aliciamento e no tráfico de crianças para o exterior. A prostituição infantil também cresceu nas áreas onde há rios navegáveis, em particular em portos e áreas de fronteiras internacionais.

A lei criminaliza a pornografia infantil. A pena por posse de pornografia infantil é de até quatro anos de prisão e multa. Aqueles que produzem, reproduzem ou vendem pornografia infantil ou recrutam crianças para participar de produções pornográficas podem ser multados e presos por até oito anos.

Embora o país não seja um produtor em larga escala de pornografia infantil, esse tipo de material foi disseminado durante o ano em sites de relacionamento.

Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social, o principal programa federal para auxiliar crianças vítimas de exploração sexual comercial foi o Serviço de Enfrentamento à Violência, ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes (antigo Programa Sentinela). A iniciativa ofereceu serviços psicológicos, sociais e jurídicos às vítimas por meio dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social, administrados localmente, e fez um trabalho de conscientização por meio de campanhas informativas, workshops e parcerias.

O Ministério do Turismo continuou a promover o código de conduta desenvolvido para evitar a exploração sexual comercial de crianças no setor de turismo, distribuiu material de campanha de conscientização pública para divulgação em estabelecimentos relacionados com o turismo e continuou a distribuir prêmios a entidades responsáveis pelo combate à exploração sexual de crianças nesse setor. Cinco estados contaram com leis determinando que estabelecimentos como hotéis e restaurantes exponham esse material. A Polícia Rodoviária Federal e a Organização Internacional do Trabalho (OIT) publicaram dados sobre locais como postos de gasolina, bares, restaurantes, motéis e clubes noturnos ao longo de rodovias consideradas áreas de exploração sexual de crianças e adolescentes.

A SEDH apoiou o governo federal em programas para identificar, proteger e assistir crianças vítimas de abuso sexual nas 26 capitais de estado e no Distrito Federal. Na cidade do Rio de Janeiro, a Secretaria de Assistência Social coordenou a ajuda a crianças de rua e menores vítimas de abuso e exploração sexual. Segundo o Centro de Direitos Humanos do Rio de Janeiro, a cidade manteve cinco centros que oferecem serviços sociais, aconselhamento e abrigo, mas em janeiro desativou o disque-denúncia para casos de abuso e exploração sexual infantil. A Prefeitura da Cidade de São Paulo continuou a promover vários programas para crianças de rua, inclusive um que utilizou a reabilitação e a reinserção social em outras áreas geográficas para salvar a vida de adolescentes condenados à morte por traficantes de drogas.

O Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), da cidade do Rio de Janeiro, informou que no primeiro semestre do ano 13,3% das vítimas que receberam apoio da instituição eram crianças e adolescentes, acima dos 8,6% em 2009 e dos 5,4% em 2008. A Secretaria Municipal de Assistência Social do Rio de Janeiro contou com 11 Creas e 17 abrigos (8 públicos e 9 particulares) para fornecer assistência a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual e exploração.

O país é signatário da Convenção de Haia sobre Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças, de 1980. Para mais informações sobre o sequestro internacional de crianças pelos pais, consulte o relatório anual do Departamento de Estado sobre a conformidade à convenção em http://travel.state.gov/abduction/resources/congressreport/congressreport_4308.html e também informações específicas sobre os países em http://travel.state.gov/abduction/country/country_3781.html.

Antissemitismo

Segundo a Confederação Israelita do Brasil, há aproximadamente 125 mil residentes judeus, dos quais cerca de 65 mil estão no estado de São Paulo e 40 mil no estado do Rio de Janeiro. É ilegal escrever, editar, publicar ou vender livros que promovam o antissemitismo ou o racismo. A legislação permite à Justiça multar ou prender quem exibir, distribuir ou transmitir material antissemita e prevê pena de prisão de dois a cinco anos aos infratores. No entanto, houve manifestações antissemitas, comparando Israel aos nazistas na mídia.

A prática de antissemitismo foi rara; no entanto, houve relatos de pichações antissemitas, outros atos de vandalismo, hostilizações e ameaças por telefone e e-mail. Sites antissemitas continuaram a operar. Pequenos grupos extremistas de skinheads, neonazistas e supremacistas brancos atuaram nos estados do Rio Grande do Sul e de São Paulo, cometendo atos de hostilização e violência contra judeus e outros grupos minoritários. Agentes da lei monitoraram esses grupos.

Líderes da comunidade judaica expressaram preocupação com o aparecimento constante de material antissemita em sites da internet compilados por grupos neonazistas e de skinheads. A Federação Israelita do Estado de São Paulo relatou que a violência contra judeus diminuiu no estado devido ao trabalho da polícia para controlar as ações de grupos de skinheads, mas foram vistos epítetos antissemitas direcionados a judeus ortodoxos em alguns bairros de São Paulo tradicionalmente judaicos.

Em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, membros do Partido do Socialismo e da Liberdade pediram o fim do Estado de Israel durante seu programa de propaganda eleitoral na televisão. A cidade de Porto Alegre, que tem cerca de 15 mil judeus, sofreu vários ataques neonazistas no passado, inclusive a profanação de um cemitério e de uma sinagoga. Em 2009, um plano para explodir duas sinagogas também foi descoberto.

Tráfico de pessoas

Para informações sobre o tráfico de pessoas, consulte o Relatório sobre Tráfico de Pessoas, publicação anual do Departamento de Estado em www.state.gov/g/tip.

Pessoas portadoras de deficiência

A lei proíbe a discriminação contra portadores de deficiência física ou mental no que se refere a emprego, educação e acesso à assistência médica, e o governo federal efetivamente cumpriu tais disposições. Entretanto, os governos estaduais não conseguiram atingir as metas estabelecidas por lei para proporcionar oportunidades de estudo e colocação no mercado de trabalho. Embora as leis federais e estaduais tenham disposições que asseguram aos portadores de deficiência o acesso a edifícios públicos, os estados não possuem programas para efetivamente cumpri-las. Por exemplo, embora o Código de Obras e Edificações do Estado de São Paulo exija que locais de reunião para mais de 100 pessoas ou outras instalações para 600 pessoas ou mais disponham de entradas e outras acomodações adaptadas para portadores de deficiência, essas pessoas continuaram a ter dificuldade em assegurar acomodações adequadas.

As leis federais estabelecem os direitos básicos de acessibilidade e acesso a informações para os portadores de deficiência. Segundo o IBGE, 30 milhões de cidadãos são portadores de algum tipo de deficiência. O Censo de 2010 incluiu técnicas aprimoradas para a identificação de portadores de deficiência com o objetivo de criar estatísticas confiáveis para serem usadas na elaboração de uma futura política pública. O Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso, ambos vinculados à SEDH, têm como principal responsabilidade a promoção dos direitos das pessoas portadoras de deficiência. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, desafios específicos incluíram o fornecimento insuficiente de órteses e próteses a preços acessíveis para aqueles que poderiam se beneficiar delas, mas não têm como bancá-las; disponibilidade de casas a preços acessíveis com adaptações especiais às pessoas com necessidades especiais; acessibilidade no transporte público com adaptações às necessidades dos deficientes físicos (por exemplo, adaptação de terminais de ônibus e metrô com rampas e elevadores); acessibilidade nas escolas com instalações (banheiros, salas de aula, calçadas, rampas) para pessoas com dificuldades físicas; combate à exclusão social; e aumento da conscientização dos direitos dos deficientes por meio do aumento do acesso à internet e a campanhas na mídia.

Minorias nacionais/raciais/étnicas

Embora a lei proíba a discriminação racial, cidadãos de pele mais escura, em particular os afro-brasileiros, com frequência são discriminados.

A lei proíbe expressamente a negação do acesso a dependências públicas e privadas, ao emprego ou à moradia a qualquer pessoa com base na raça. A lei também proíbe e pune com pena de prisão o incitamento à discriminação ou ao preconceito racial e a disseminação de símbolos e epítetos ofensivos a raças.

Os afro-brasileiros, que representam aproximadamente 45% da população, foram significativamente sub-representados no governo, em cargos profissionais e nas classes média e alta. Eles apresentaram taxa de desemprego mais elevada e receberam salários médios abaixo dos salários de brancos em posições similares. Observou-se uma defasagem de escolaridade considerável entre as raças.

O Estatuto da Igualdade Racial foi aprovado pelo Senado em 16 de junho e sancionado pelo presidente Lula em 20 de julho. Entre suas várias disposições, a nova lei prevê a criação de políticas de ação afirmativa, sem quotas, na educação e no emprego, estipula acesso à saúde, reafirma o ensino obrigatório da história da África e da população negra do Brasil nas escolas e reconhece o direito de comunidades de descendentes de escravos fugidos (quilombos) de receberem títulos de propriedade da terra.

Setenta universidades mantiveram programas de ação afirmativa, entre elas, 18 das principais universidades públicas do Distrito Federal e dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Minas Gerais, Espírito Santo e Bahia. Por exemplo, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira universidade federal a criar cotas, em 2005, e 18% dos estudantes que prestaram o vestibular naquele ano se beneficiaram do programa. Antes do programa de cotas, aproximadamente 2% dos alunos da UnB eram negros. Matricularam-se na UnB 963 alunos que se autodeclararam de cor durante o ano, em comparação a 785 em 2009, fazendo uso da cota de 20% para os que prestaram vestibular. Aproximadamente 17% do número total de alunos de graduação matriculados na UnB no fim de 2009 se beneficiaram do programa de cotas, inclusive um número pequeno de índios.

Povos indígenas

Segundo estimativas da Fundação Nacional do Índio (Funai), há mais de 600 mil índios distribuídos em 225 sociedades em terras indígenas, falando 170 línguas diferentes. Esses índios estão distribuídos em 4.774 aldeias em 615 terras indígenas, cobrindo 12% do território nacional. Aproximadamente 99% das terras indígenas concentram-se na Amazônia e na região Centro-Oeste do país. Entre 100 mil e 190 mil índios vivem fora das terras indígenas, inclusive em ambientes urbanos. O jornal O Estado de S. Paulo noticiou aumento da representação política indígena, com a eleição de 5 prefeitos e 90 vereadores.

Dados do governo indicam que mais da metade da população indígena do país vive em comunidades cujo estilo de vida tradicional foi ameaçado de diversas maneiras, entre elas, o desenvolvimento fundiário, a expansão agrícola e a mineração. A Funai relatou que os povos indígenas também enfrentam outros problemas, como doenças, atendimento precário à saúde e perda de suas tradições.

A lei concede à população indígena ampla proteção de seu patrimônio cultural e o uso exclusivo de suas terras tradicionais. Embora os problemas tenham persistido, o governo fez alguns progressos na garantia desses direitos. A lei assegura aos povos indígenas o benefício do uso exclusivo do solo, das águas e dos minerais em terras indígenas, mas o Congresso precisa aprovar caso a caso. O governo administra as terras, mas é obrigado a levar em conta a opinião das comunidades afetadas quanto ao desenvolvimento e ao uso das terras, e as comunidades têm o direito de "participar" dos benefícios obtidos de tal uso. Contudo, lideranças indígenas e militantes da causa indígena denunciaram a participação limitada dos povos indígenas nas decisões tomadas pelo governo com relação às suas terras, culturas, tradições e à alocação de recursos nacionais. Em fevereiro, o governo decidiu dar prosseguimento à construção da hidrelétrica de Belo Monte no Rio Xingu, em Altamira, Pará, apesar das objeções de líderes indígenas.

Embora a Constituição de 1988 tenha encarregado o governo federal da demarcação das áreas indígenas no prazo de cinco anos, as quatro fases do processo de demarcação (identificação, declaração, aprovação e registro) não foram finalizadas.

A decisão histórica de março de 2009 do Supremo Tribunal Federal mantendo a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, que faz fronteira com a Venezuela e a Guiana, abriu um precedente a favor da demarcação de terras indígenas como territórios contíguos únicos.

Decreto presidencial de dezembro de 2009 definiu mudanças estruturais significativas na Funai, inclusive o fechamento de vários postos. Em protesto contra o que foi percebido como um diálogo limitado com líderes indígenas, um grande número de índios, entre homens, mulheres e crianças, acampou em frente ao Congresso e ao Ministério da Justiça em Brasília no início do ano. A tentativa de remoção forçada desse grupo em abril, pela polícia do Distrito Federal, resultou em acusações de violência e brutalidade policial.

A maioria dos conflitos entre índios e não índios envolveu propriedade de terras e direitos de exploração de recursos naturais. No estado do Mato Grosso do Sul, a negação do acesso às terras tradicionais, a pobreza extrema e doenças sociais relacionadas resultaram em altos índices de mortalidade infantil e violência, inclusive assassinato e suicídio. Não se teve conhecimento dos desdobramentos da investigação do suicídio de seis índios da tribo guarani-kaiowá no Mato Grosso do Sul em janeiro de 2009.

Não se teve conhecimento de desdobramentos da investigação do Ministério Público sobre o ataque de setembro de 2009 à comunidade guarani-kaiowá de Apyka'y.

Medida provisória de 24 de março do governo federal criou a Secretaria Especial de Saúde Indígena. Depois da aprovação pelas duas Casas do Congresso, o presidente Lula sancionou a criação dessa secretaria especial em 19 de outubro. O projeto transfere a responsabilidade de todas as questões de saúde dos índios e questões sanitárias das aldeias da Fundação Nacional de Saúde para o Ministério da Saúde.

De acordo com o Ministério da Educação, 70 universidades estaduais e federais continuaram a reservar vagas para índios. O número de estudantes universitários indígenas, quase 5 mil ou aproximadamente 1% do total dos estudantes universitários, permaneceu inalterado.

Abusos sociais, discriminação e atos de violência por orientação sexual e identidade de gênero

A legislação federal não proíbe a discriminação com base na orientação sexual, mas vários estados e municípios, como São Paulo, têm regulamentos administrativos que proíbem a discriminação com base na orientação sexual e preveem igualdade de acesso aos serviços públicos.

Em 27 de abril, o STF foi favorável à adoção de uma criança por casal gay, rejeitando o pedido do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul para anular a decisão de um tribunal estadual a favor do casal.

ONGs organizaram a parada do orgulho gay ou paradas pela diversidade sexual em aproximadamente 30 cidades durante o ano, com a cooperação e o apoio da maioria dos governos municipais de grande porte. Segundo estimativa da Associação da Parada do Orgulho Gay de São Paulo, mais de 3 milhões de pessoas participaram da parada anual realizada em 6 de junho.

Muitos municípios promoveram programas de conscientização pública durante o ano com o objetivo de reduzir a homofobia. Em agosto, a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro criou uma força-tarefa para promover os direitos de lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros e criar um disque-denúncia para crimes motivados pela homofobia. A força-tarefa também forneceu cursos de capacitação para recrutas da Polícia Militar.

Entre janeiro e setembro, a ONG Grupo Gay da Bahia recebeu 165 denúncias de assassinatos no país motivados pela orientação sexual ou pela identidade de gênero, configurando aumento em relação às 115 denúncias no mesmo período de 2009. Os homossexuais masculinos foram o grupo mais atingido, seguidos pelos travestis e pelas lésbicas. Em 21 de junho, Alexandre Thomé Ivo Rajão, de 14 anos, foi espancado e morto depois de ele e seus amigos terem registrado queixa por ameaças feitas por um grupo de skinheads em uma delegacia de polícia no Rio de Janeiro; três suspeitos foram presos. Grupos de ativistas afirmaram que a violência contra gays, lésbicas e transexuais e, em particular, contra os travestis, foi subnotificada (ver também Seção 1.a.). ONGs relataram hostilizações rotineiras da polícia contra travestis que se prostituem.

Em 7 de dezembro, a Polícia Militar anunciou sua intenção de aumentar as rondas a pé na Avenida Paulista, via de movimento intenso de São Paulo, depois da ocorrência do que foi tido como ataques homofóbicos a cinco pessoas no espaço de três semanas. Em 14 de novembro, um grupo de cinco pessoas supostamente espancou quatro pessoas em três ataques distintos enquanto gritavam epítetos homofóbicos. Autoridades prenderam quatro suspeitos no caso.

Em janeiro, o governo do estado do Rio de Janeiro criou o Centro de Referência contra Homofobia e Intolerância Religiosa. O centro presta assistência jurídica, psicológica e social a vítimas de violência e/ou discriminação.

Outros tipos de violência social ou discriminação

Não houve relatos de casos de violência social ou discriminação a portadores de HIV/Aids durante o ano.

Seção 7       Direitos dos trabalhadores

a.  O direito de associação

A lei prevê a representação sindical de todos os trabalhadores (exceto militares, policiais militares e bombeiros), mas impõe um sistema único e hierárquico, financiado por um imposto sindical obrigatório para todos trabalhadores e empregadores. Os sindicatos novos devem se registrar no MTE, que aceita o registro se não houver objeções por parte de outros sindicatos. Sindicatos que representam trabalhadores da mesma área geográfica e da mesma categoria profissional podem contestar o registro, e a Secretaria de Relações de Trabalho do MTE tem 15 dias para examinar a validade da objeção. Se esta for considerada válida, o MTE não registra o sindicato. Os organizadores do sindicato podem contestar essa decisão na Justiça do Trabalho.

A lei impõe certas restrições, como a unicidade (um sindicato por cidade), que limitam a liberdade de associação ao proibir a existência de vários sindicatos concorrentes na mesma categoria profissional em uma mesma área geográfica. A maioria dos participantes do movimento sindical e a Confederação Sindical Internacional criticam a unicidade. Embora existam vários sindicatos concorrentes, o MTE e a Justiça fizeram cumprir a unicidade em decisões relacionadas com o registro de novos sindicatos.

A lei estende o reconhecimento legal a centrais sindicais que atendam a certos requisitos com relação à associação e à representação regional. Esse reconhecimento permite qualificar centrais legalmente para representar trabalhadores em tribunais, conselhos públicos e outros órgãos.

Segundo estimativa de 2009 da Central Única dos Trabalhadores, entre 20% e 25% dos trabalhadores são sindicalizados. A maior parte dos trabalhadores do setor informal - inclusive os autônomos e os que não possuem registro em carteira - é excluída da estrutura sindical oficial; assim, não se beneficia de representação sindical e, em geral, fica impossibilitada de exercer plenamente seus direitos trabalhistas. Segundo estatísticas governamentais, o setor informal respondeu em 2009 por 28,2% da força de trabalho, diminuição em relação a 2008; a maioria dos trabalhadores sem registro está no setor agrícola.

A intimidação e os assassinatos de organizadores de sindicatos rurais e de seus agentes continuaram. A Comissão Pastoral da Terra, da Igreja Católica, informou que líderes dos trabalhadores foram vítimas de violência nas áreas rurais, e a maioria dos criminosos gozou de impunidade (ver Seção 1.a.).

Não se teve conhecimento de desdobramentos do atentado sofrido, em agosto de 2009, por Élio Neves, presidente da Federação dos Empregados Rurais Assalariados do Estado de São Paulo e conhecido por representar os cortadores de cana-de-açúcar, em Ribeirão Bonito, São Paulo. Neves sobreviveu ao tiro que recebeu na nuca.

A lei confere o direito de greve a todos os trabalhadores, exceto aos militares das Forças Armadas, policiais militares e bombeiros. A Polícia Civil tem permissão para fazer greve, e os policiais exerceram esse direito na prática.

A lei estabelece que uma greve pode ser considerada "abusiva" pela Justiça do Trabalho e passível de punição caso algumas condições não sejam cumpridas, como a manutenção de serviços essenciais, a notificação ao empregador pelo menos 48 horas antes do início da paralisação e a suspensão da greve após decisão judicial. O empregador não pode contratar substitutos para trabalhadores grevistas e fazer demissões devido a atividades relacionadas com paralisações, desde que a greve não seja considerada abusiva. Na prática, os patrões demitiram organizadores de movimentos grevistas por motivos aparentemente não relacionados a greves, e os recursos legais contra dispensas retaliatórias em geral foram processos demorados.

b.  O direito à organização e à negociação coletiva

A negociação coletiva foi comum no setor formal. A lei obriga os sindicatos a negociar em nome de todos os trabalhadores registrados na categoria profissional e na área geográfica que representam, independentemente de o empregado pagar ou não voluntariamente a contribuição de associado.

A lei permite ao governo rejeitar cláusulas de acordos coletivos que conflitem com as políticas governamentais. A Comissão de Especialistas da OIT pediu a revogação dessa disposição. A negociação coletiva no setor público é proibida na prática; a Constituição a permite, mas a legislação de implementação nunca foi promulgada.

A lei proíbe a demissão de empregados candidatos a cargos ou detentores de cargos de liderança em sindicatos e exige que os empregadores readmitam trabalhadores demitidos por atividades sindicais; no entanto, em alguns casos, as autoridades não cumpriram efetivamente as leis que protegem os sindicalistas contra a discriminação. A Justiça do Trabalho, encarregada de resolver essas e outras controvérsias envolvendo demissões sem justa causa, condições de trabalho, disputas salariais e outras reclamações trabalhistas, é morosa, levando em média seis anos para dar seus veredictos. As partes em geral concordaram que, quando finalmente solucionados, os casos foram decididos de forma justa e segundo seu mérito. A maior parte das queixas é resolvida na primeira audiência; no entanto, o processo de recurso causa muitos atrasos, e alguns casos permanecem sem solução por até dez anos.

Não há leis especiais nem exceções às leis trabalhistas vigentes nas zonas francas do país.

c.  Proibição do trabalho forçado ou compulsório

A lei proíbe "reduzir alguém a condição análoga à de escravo", e o governo agiu para fazer cumprir a lei. O conceito de trabalho escravo inclui não apenas trabalhos forçados e compulsórios, mas também trabalho extremamente pesado e realizado em condições degradantes. Esse tipo de trabalho, inclusive realizado por crianças, ocorreu em alguns estados, em atividades como desmatamento para pastagem de gado, extração de madeira, pecuária e agricultura, como plantações de cítricos. Segundo a Secretaria de Inspeção do Trabalho do MTE, o trabalho forçado na produção de carvão e na colheita de cana-de-açúcar diminuiu. O trabalho forçado quase sempre envolveu homens jovens oriundos de estados pobres do Nordeste - Maranhão, Piauí e Ceará - além dos estados de Tocantins, Pará e Goiás para trabalhar nas regiões Norte e Centro-Oeste do país. Mulheres e adolescentes - estes em geral trabalhando com os pais - também foram usados em atividades de trabalho forçado. Segundo estimativas da OIT, não importando a época do ano, havia cerca de 25 mil trabalhadores forçados.

A Comissão Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo coordenou os esforços do governo para eliminar o trabalho forçado. O órgão de fiscalização do MTE - o Grupo Especial de Fiscalização Móvel - foi responsável pela localização e libertação de vítimas de trabalho forçado, e o MTE aumentou os recursos destinados à realização das inspeções. A Polícia Federal acompanhou batidas de fiscais das unidades móveis para dar proteção. A Procuradoria-Geral do Trabalho participou das inspeções recebendo denúncias e estabelecendo multas a serem pagas pelos infratores para que pudessem ter direito a obter financiamento e crédito, vender produtos, ter suas contas desbloqueadas ou obter empréstimos do governo. As equipes móveis aplicaram multas aos proprietários que fizeram uso de trabalho forçado e exigiram que os empregadores pagassem os salários atrasados e os benefícios trabalhistas antes de enviar os trabalhadores de volta a seus municípios de origem. Embora as unidades móveis tenham obtido algum sucesso na libertação daqueles que trabalhavam em condições análogas às de escravo, os fiscais enfrentaram resistência e quase sempre trabalharam em condições perigosas.

Intermediários traficaram muitos desses trabalhadores para propriedades distantes, onde as vítimas eram forçadas a trabalhar sob duras condições até pagarem suas dívidas inflacionadas relacionadas com viagem, ferramentas, roupas ou alimentos. Por vezes, foram utilizados seguranças armados para mantê-las no local, mas as localizações remotas, a apreensão de documentos e as ameaças de ações legais ou de castigos físicos em geral foram suficientes para evitar fugas.

Os que infringiram as leis trabalhistas com a prática de trabalho forçado ou compulsório estiveram sujeitos a penas de até oito anos de prisão. A legislação também prevê penalidades para vários crimes relacionados com o trabalho forçado, tais como recrutamento e transporte de trabalhadores ou obrigatoriedade de que contraiam dívidas como parte de um esquema de trabalho forçado. A eliminação do trabalho forçado foi prejudicada pela incapacidade de aplicação efetiva de penalidades, pela impunidade dos responsáveis, pela morosidade dos procedimentos judiciais e pela falta de coordenação entre os vários órgãos governamentais. Houve poucos processos criminais relativos a trabalho forçado devido a falta de definição legal clara; pressões políticas locais; pouca coordenação entre a polícia, o Judiciário e os promotores; distância das áreas onde o trabalho forçado é praticado; medo das testemunhas de sofrer retaliação; e a não realização de investigações criminais, por parte da polícia, ao acompanhar as batidas dos fiscais do trabalho. Em março de 2009, foram feitas 27 condenações em uma decisão histórica de um juiz federal no Pará. A decisão de 2009 que definiu que os casos de trabalho forçado e infantil são de competência do poder judiciário federal e não dos estados resultou em aumento das sentenças. No entanto, o prazo prescricional de 12 anos e os longos atrasos da Justiça fazem com que os empregadores deixem de cumprir suas penas. O grande número de tribunais do trabalho dificulta a compilação de estatísticas precisas sobre processos pelo Judiciário.

O número de inspeções do trabalho realizadas pelo MTE aumentou durante o ano. Do início do ano até 17 de setembro, a Unidade de Fiscalização Móvel do MTE libertou 1.479 trabalhadores escravos em 69 operações em 168 propriedades. Desses trabalhadores libertados, 338 estavam no Pará, 343 em Goiás e 228 em Santa Catarina. Pagamentos de indenizações a trabalhadores totalizaram aproximadamente R$ 5,4 milhões.

Os casos a seguir merecem destaque:

  • Em 17 de março, fiscais do Trabalho no estado de São Paulo fizeram uma batida que encontrou 16 bolivianos e 1 peruano trabalhando em uma fábrica clandestina em condições de trabalho forçado. Os fiscais do Trabalho registraram 43 infrações e aplicaram multas no total de R$ 637 mil. Os trabalhadores eram constantemente monitorados e pagos por peça para costurar roupas femininas para fornecedores de uma rede varejista nacional. Seus documentos estavam retidos e eles tinham de trabalhar para pagar dívidas inflacionadas contraídas ao cruzar a fronteira ilegalmente. Eles trabalhavam, se alimentavam e dormiam em condições de higiene precárias em uma oficina de costura em Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte de São Paulo.
  • Em 11 de agosto, uma Unidade de Fiscalização Móvel do MTE libertou 45 trabalhadores rurais que trabalhavam em condições de trabalho forçado na Fazenda Zonga, no estado do Maranhão, a sexta intervenção federal desse tipo feita nessa propriedade nos últimos 14 anos. Os trabalhadores recebiam menos de um salário mínimo, o alojamento oferecido era um pequeno barracão de madeira dividido por 30 homens com redes para dormir, não havia chuveiros e, segundo inspeção da Polícia Federal, a comida servida era estragada e continha vermes. O proprietário da fazenda nunca tinha sido condenado por nenhum desses crimes, apesar de tribunais federais terem instaurado quatro processos desde 2003.
  • Em 1º de dezembro, fiscais do Trabalho de São Paulo realizaram uma batida em uma instalação entre a cidade de São Paulo e a cidade portuária de Santos. Autoridades encontraram cerca de 40 pessoas em condições de trabalho forçado, com documentos e salários retidos. Os homens, metade deles da Região Nordeste, foram contratados para fazer serviços de manutenção em trilhos de ferrovias. Inspetores encontraram alojamentos com superlotação, condições sanitárias precárias e condições de vida inseguras (principalmente devido a instalações elétricas deficientes), além de relatos de ameaças físicas e abusos verbais. Autoridades prenderam o proprietário da empresa, um subempreiteiro e investigaram possíveis multas para terceiros que haviam se beneficiado financeiramente do trabalho forçado.
  • Em novembro de 2009, um juiz condenou Eduardo Dall Magro, proprietário de uma fazenda de arroz e soja em Ribeiro Gonçalves, no estado do Piauí, por manter 21 trabalhadores em condições análogas à escravidão e o condenou a 3 anos e 4 meses de prisão, o gerente da fazenda a 2 anos e 8 meses e o agenciador de mão de obra a 3 anos. Os três também foram multados e, no fim do ano, estavam soltos aguardando recurso.

O MTE puniu com multas os que utilizaram trabalho escravo, exigindo que pagassem indenizações aos trabalhadores e colocando os nomes dos infratores em uma "lista suja" publicada a cada seis meses na internet. A lista de 31 de dezembro incluiu 220 empregadores de 19 estados que submeteram sua força de trabalho a condições análogas ao trabalho escravo; 88 novos nomes de empregadores foram incluídos e 17, removidos. Grande parte das empresas listadas era dos estados do Pará, Maranhão e Mato Grosso. Os empregadores que constam dessa lista são inspecionados a cada dois anos para que se possa determinar se as irregularidades identificadas foram sanadas; em caso positivo, o empregador é retirado da lista. Embora o decreto que criou a lista não proíba a concessão de crédito às pessoas ou às empresas listadas, o Ministério da Integração Nacional recomenda que a ajuda financeira ou de qualquer outro tipo seja negada aos infratores, e algumas instituições financeiras tomaram essa decisão por iniciativa própria. O Banco do Brasil, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a Caixa Econômica Federal negaram crédito a proprietários de terra que fizeram uso de trabalho escravo, e alguns setores da economia recusaram-se a comprar produtos das pessoas relacionadas na lista. Em um caso envolvendo o maior produtor mundial de cana-de-açúcar, a presença do seu nome na lista gerou ação legal que resultou em decisão de 8 de janeiro do Tribunal Superior do Trabalho determinando que a empresa fosse retirada da lista.

Em 8 de setembro, um juiz do Pará manteve as penas civis no processo de trabalho escravo de 2008 contra um empregador de uma fazenda de cacau em Placas, no Pará.

O Pacto Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo é uma iniciativa de várias partes interessadas que envolveu mais de 220 empresas e ONGs com o compromisso público de restringir relações econômicas com qualquer um que utilize trabalho escravo. As ONGs Instituto Observatório Social, Instituto Ethos e Repórter Brasil monitoraram as ações de combate ao trabalho forçado implementadas pelos que assinaram o pacto. As empresas que assinaram o pacto representam mais de 20% do produto interno bruto do país.

d.  Proibição de trabalho infantil e idade mínima para emprego

Embora o trabalho infantil seja proibido, essa prática continuou a ser um problema, particularmente em residências e no setor informal. Foram encontradas crianças trabalhando em plantações de algodão, mandioca, abacaxi, arroz e tabaco. Estudo de 2008 do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, vinculado ao governo, mostrou que 1,7 milhão de crianças entre 5 e 14 anos (aproximadamente 5% do total nesse grupo etário) trabalhou na economia do país, com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2007. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios de 2009 realizada pelo IBGE, o número de crianças entre 5 e 17 anos trabalhando na economia caiu de 8,4 milhões em 1992 para 4,25 milhões em 2009. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, estavam trabalhando 0,7% da população entre 5 e 9 anos, 6,9 % da população entre 10 e 14 anos e 27,4% da população entre 15 e 17 anos. Em relatório quadrienal divulgado em 7 de maio, a OIT reconheceu os esforços abrangentes do governo e da sociedade civil do Brasil para evitar e eliminar o trabalho infantil, bem como a cooperação com outros países, como a África do Sul e a Índia. O governo continuou a cooperar com a OIT em projetos para erradicar o trabalho infantil nos estados da Bahia e de Mato Grosso.

A idade mínima para o trabalho é 16 anos, e o aprendizado pode começar aos 14 anos. A lei proíbe os menores de 18 anos de trabalhar em atividades que constituam ameaça à sua integridade física ou em empregos noturnos, insalubres, perigosos ou moralmente prejudiciais; entretanto, as autoridades raramente aplicaram restrições legais adicionais com o objetivo de proteger trabalhadores menores de 18 anos. A lei exige autorização dos pais para que menores trabalhem como aprendizes, e eles devem frequentar a escola de ensino fundamental. Os fiscais podem punir os infratores das leis de trabalho infantil mediante avaliação de infrações e emissão de multas.

Aproximadamente metade dessas crianças não recebeu salários e 90% trabalhou no setor informal sem registro. Pouco mais da metade trabalhou em áreas rurais e dois terços eram meninos. A OIT estimou que aproximadamente 9% das meninas entre 10 e 14 anos prestavam serviços como domésticas. Muitos desses trabalhadores receberam menos da metade de um salário mínimo e trabalharam mais de 40 horas semanais.

Crianças estiveram envolvidas em uma série de atividades, entre elas, pecuária e agricultura - incluindo plantações de cana-de-açúcar, algodão, arroz, abacaxi e mandioca - produção de cerâmica, tijolos, carvão e sisal. A natureza clandestina e informal do trabalho infantil torna as crianças especialmente vulneráveis a acidentes de trabalho. E elas foram vítimas de mutilações, doenças gastrointestinais, dilacerações, cegueira e queimaduras provocadas pela aplicação de produtos químicos sem proteção adequada.

O MTE é responsável pela inspeção de locais de trabalho para aplicação das leis referentes ao trabalho infantil. Suas delegacias regionais contam com grupos especiais para a aplicação dessas leis, em particular na coleta de dados e na elaboração de planos para inspeção dessa prática. Contudo, a maior parte das fiscalizações de locais de trabalho infantil ocorreu em razão de denúncias de trabalhadores, professores, sindicatos, ONGs e meios de comunicação. Os fiscais continuaram a dar prioridade a inspeções no setor informal, mas continuaram impedidos de entrar em residências e fazendas particulares, onde ocorreu grande parte do trabalho infantil do país.

De acordo com o MTE, de janeiro a agosto, inspetores encontraram e libertaram 2.656 crianças e adolescentes trabalhando ilegalmente, diminuição em comparação a 2009. As unidades do MTE dedicadas a detectar trabalho infantil ilegal realizaram 1.741 inspeções durante esse período, o que representou um aumento em relação ao ano anterior. Na maioria dos casos, os fiscais procuraram fazer acordos e convencer os empregadores a não infringir as leis trabalhistas, antes de aplicar multas de R$ 402 por infração até a multa máxima de R$ 2.013; a multa dobra na segunda violação e triplica na terceira. Na prática, poucos empregadores foram multados por empregar crianças.

O governo implementou programas inovadores para impedir o trabalho infantil, entre eles, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, em colaboração com autoridades estaduais e municipais. Por meio do Peti, famílias com filhos entre 7 e 15 anos que trabalham em determinadas atividades perigosas recebem ajuda financeira mensal para manter os filhos na escola, e as crianças podem participar de programas extracurriculares que incluem merendas e atividades esportivas, artísticas e culturais. Por meio do Ministério do Desenvolvimento Social, o Programa Bolsa-Família fornece ajuda financeira mensal a famílias de baixa renda que mantenham seus filhos na escola até os 17 anos e atendam a certos requisitos de cuidados com a saúde das crianças. O Peti atendeu mais de 850 mil crianças em 3.500 municípios. O Bolsa-Família atendeu mais de 12 milhões de famílias em todo o país.

Os Centros de Defesa da Criança e do Adolescente, organizações não governamentais, atuaram em muitas partes do país e denunciaram violações dos direitos da criança a conselhos tutelares, à rede de assistência social e a organizações que defendem os direitos das crianças e das famílias.

Em colaboração com o governo, a sociedade civil também adotou medidas para evitar e abolir o trabalho de crianças. O Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, que inclui representantes do governo e da sociedade civil, mobilizou agentes institucionais envolvidos no desenvolvimento de políticas e programas para eliminar o trabalho infantil. A Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente realizou um programa de emissão de selos que identificam as empresas amigas das crianças e com compromisso de eliminar o trabalho infantil. As principais organizações sindicais desenvolveram programas educativos para seus membros esclarecendo sobre os perigos do trabalho infantil e incentivando a denúncia de ocorrências às autoridades.

e.  Condições aceitáveis de trabalho

O governo ajusta o salário mínimo anualmente por meio de medida provisória da Presidência, definindo um aumento percentual para inclusão no orçamento anual com base em consultas aos Ministérios da Fazenda e da Previdência Social e também ao Congresso (mas não aos trabalhadores e empregadores). Em janeiro, o salário mínimo aumentou para R$ 510 por mês. O IBGE estimou que 26% dos trabalhadores ganhavam um salário mínimo ou menos em 2008. Segundo o IGBE, a renda de 19% das famílias urbanas foi menos da metade do salário mínimo per capita em 2009, abaixo dos 26% registrados em 2008. Nas regiões Norte (30,7%) e Nordeste (36,3%), as porcentagens ficaram acima da média nacional; o menor índice de pobreza foi da região Sul (10,9% nessa situação), seguida pela Sudeste (12,2%) e Centro-Oeste (16,4%). O salário mínimo nacional não proporcionou padrão de vida considerado digno aos trabalhadores e suas famílias. Segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, um trabalhador precisa de um salário mensal de R$ 2.223 para cobrir as despesas básicas de sobrevivência, 4,35 vezes o valor do salário mínimo.

A lei limita a semana de trabalho a 44 horas e estabelece um período de descanso de 24 horas consecutivas, de preferência aos domingos. A lei também proíbe o excesso de horas extras obrigatórias e determina que cada hora extra semanal seja remunerada com o equivalente a uma hora e meia de trabalho; de modo geral, tais disposições foram respeitadas no setor formal.

O MTE estabelece normas ocupacionais, de saúde e segurança em conformidade com os padrões internacionais. Fiscais do MTE atuaram em estreita colaboração com a Procuradoria-Geral do Trabalho, órgão independente responsável por instaurar ações contra infrações trabalhistas. No entanto, o governo alocou recursos insuficientes para a fiscalização e a aplicação adequada dessas normas.

Condições inseguras de trabalho foram comuns em todo o país. Não foram divulgados números sobre acidentes de trabalho durante o ano. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, de janeiro a setembro o governo concedeu benefícios a 32.949 pessoas referentes a acidentes de trabalho. Os empregados ou seus sindicatos podem apresentar queixas relacionadas com a segurança do trabalhador nos Tribunais Regionais do Trabalho, embora esse seja quase sempre um processo demorado.

A lei determina que os empregadores criem comissões internas de prevenção de acidentes de trabalho. Também proíbe a demissão de empregados pelo fato de participarem dessas comissões. Entretanto, tais demissões ocorreram, e os recursos legais impetrados em geral levam anos para ser solucionados. A Procuradoria-Geral do Trabalho informou que várias empresas utilizaram cadastros eletrônicos para criar "listas negras" de trabalhadores que haviam entrado com reclamações na Justiça do Trabalho. Os trabalhadores não têm o direito legal de deixar o local de trabalho quando se deparam com condições de risco, entretanto, podem comunicar essas situações a uma comissão interna para investigação imediata.