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Discursos da Embaixadora Leslie V. Rowe

Oração de Sapiência da Embaixadora dos EUA no ISCTEM. 21 de Março de 2011

É uma honra estar convosco hoje para a abertura do ano académico no ISCTEM e para dar as boas vindas à classe de 2015. Fiquei muito satisfeita ao receber o convite do Magnífico Reitor para proferir esta Oração de Sapiência. Estou consciente da importância deste momento e sei que sigo os passos de importantes figuras da sociedade moçambicana que já proferiram esta oração no passado.

Gostaria de começar por vos contar duas histórias. A primeira é sobre Maria Roda, uma agricultora da província de Nampula. Até 2009, plantava e colhia, por vezes com sucesso, outras não, e lutava para ter rendimentos suficientes. No entanto, ao longo dos últimos dois anos, a vida tem melhorado para ela. O que é que provocou a diferença? Em primeiro lugar, obteve um pequeno empréstimo. Para além disso, recebeu formação sobre gestão da produção, uso de fertilizantes, e prevenção de doenças nas colheitas. Em resultado, conseguiu duplicar o seu terreno produtivo para mais de 20 hectares e plantar colheitas sazonais que triplicaram os seus rendimentos anuais. Com esses lucros, conseguiu abrir a sua primeira conta bancária pessoal, pagar aos trabalhadores sazonais, comprar novas sementes, melhorar a sua casa (onde vive com o seu marido e sete filhos) e contribuir para um armazém de propriedade conjunta em construção. A nova prosperidade de Maria também transformou as perspectivas educativas da família, pois ela agora paga para enviar todos os seus filhos para a escola. Sente-se cheia de confiança, e é prova viva de que as mulheres moçambicanas, quando têm as oportunidades certas, podem ser forças poderosas na melhoria da qualidade de vida das suas famílias.

A segunda história é sobre uma jovem rapariga que cresceu numa área pobre do Chamanculo.  Desde muito jovem, era óbvia a sua paixão e talento pelo desporto.  De facto, era tão boa, que se salientava numa equipa de futebol masculino.  Um dia o seu pai ouviu falar de uma jovem jogadora de futebol com imenso talento. Essa jogadora era a sua filha.

Ela continuou a jogar em equipas masculinas até que alguém, reconhecendo a sua velocidade e habilidade atlética natural, sugeriu que ela tentasse o atletismo.  Veio a obter uma bolsa de estudo atlética para estudar e treinar nos Estados Unidos e assim tornar-se numa campeã mundial.

Quem sabe de quem estou a falar? Claro que falo da Maria de Lurdes Mutola—Medalhista de Ouro Olímpica e vencedora de inúmeras competições internacionais.  Ela é um bom exemplo de como as jovens mulheres moçambicanas, se obtiverem educação e perseguirem incansavelmente os seus objectivos, podem atingir a grandeza.  Hoje em dia ela é fundadora e presidente do conselho de administração da Fundação Lurdes Mutola, que trabalha em 5 províncias na educação, desporto, cultura, e programas de empresariado, nos quais as jovens desempenham um papel central.

O que nos ensinam estas duas histórias? 

• Em primeiro lugar, é óbvio que estas duas mulheres possuem um talento e uma determinação muito especiais.  Trabalharam duramente para alcançar as suas metas, e isso deu resultado. 

• Em segundo lugar, distinguiram-se em áreas que foram em tempos dominadas apenas pelos homens.  Foi fácil?  Certamente que não.  Houve quem tentasse desencorajá-las deste tipo de actividade? 

Certamente que sim.  No entanto, é importante notar que também houve quem encorajou estas duas mulheres a seguirem as suas paixões, mesmo se estas não eram típicas segundo as normas culturais prevalecentes.

• A terceira coisa que podemos aprender destas duas histórias é que as normas culturais não são rígidas, mas estão constantemente a mudar e a evoluir.  As normas relativas ao género na história de Moçambique mudaram o suficiente para oferecer a Maria Roda e a Maria Lurdes de Mutola a oportunidade de alcançarem aquilo que as mulheres em gerações anteriores nunca tiverem a possibilidade de alcançar.  

• A quarta coisa que aprendemos é que ambas estas mulheres fazem progredir não só a causa das mulheres na sociedade moçambicana, mas também o desenvolvimento da sociedade em geral. 

Estas quatro lições ilustram o primeiro ponto principal desta minha apresentação de hoje.  Nomeadamente, que as mulheres e as suas contribuições são centrais para uma economia saudável, uma sociedade saudável e um sistema político viável.  Estas duas mulheres não só avançam a causa das mulheres, mas têm um impacto incrivelmente positivo na sociedade moçambicana em geral.

O mundo de hoje está repleto de problemas e desafios.  Nalguns países no Norte de África e no Médio Oriente ocorrem manifestações populares em prol de mais democracia. O Japão luta contra um desastre nuclear causado por um terramoto e um tsunami.  Quando se enfrentam problemas tão graves, talvez perguntem, “Porque é tão importante empoderar as mulheres?  Não há assuntos mais importantes para tratar?”   Há muitas respostas a esta pergunta, mas talvez nenhuma seja tão básica quanto o simples facto de que muitas das melhores ideias para a resolução de questões complexas da vida moderna vêm das mulheres. Se as mulheres forem excluídas, as suas soluções potenciais também são excluídas.

Vou usar uma metáfora do desporto para que todos os homens na audiência possam compreender.  Se fossem treinadores de uma equipa de futebol com 11 jogadores, mas dissessem a seis deles que se sentassem nos bancos a verem os outros cinco cobrindo todo o campo, quantos jogos iriam vencer? As contas são simples:  5 jogadores contra 11 num jogo de futebol nunca podem ganhar o prémio.

Da mesma forma, os países que dizem a metade da sua população que se sente nos bancos não vencem o grande prémio.  Mais uma vez, as contas são simples: as mulheres constituem um pouco mais de 50% da população mundial.  Se não forem concedidas oportunidades a mais de metade de população mundial para acederem ao seu pleno potencial, então as possibilidades de resolução dos problemas do mundo também diminui para menos de metade.

No livro “Half the Sky” (Metade do Céu), os autores Nicholas Kristof, e Sheryl WuDunn contam uma história sobre o fundador da Microsoft, Bill Gates, que foi convidado para falar perante um grupo na Arábia Saudita.

Oitenta por cento da audiência era constituída por homens, sentados à esquerda, e 20% eram mulheres, todas cobertas por mantos e véus pretos, sentadas à direita, uma divisória separando os dois grupos.

Durante a sessão de perguntas e respostas, um dos membros da audiência afirmou que a Arábia Saudita procurava ser um dos 10 países de topo na área da tecnologia até 2010 e perguntou se isso era realista. “Bem, se não utilizarem plenamente metade do talento no país,” afirmou Gates, “não vão chegar muito perto do Top 10.” O pequeno grupo à direita irrompeu em vivas.”

No ano 2000, 192 nações e 23 organizações internacionais concordaram em trabalhar para atingir as 8 Metas do Desenvolvimento do Milénio das Nações Unidas até 2015. A Meta número 3 da declaração é:

• “a promoção da igualdade de género e o empoderamento das mulheres” especialmente através da eliminação da disparidade de género em todos os níveis da educação académica.

Para além das Nações Unidas, o Banco Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento estão envolvidos na promoção da igualdade de género.
Mas porque é que banqueiros estariam interessados na igualdade de género? Porque numerosos estudos mostraram que o investimento nas mulheres produz mais crescimento económico. Para além disso, conduz a democracias mais abertas e participativas, e à redução da possibilidade de guerra. Se for concedido às mulheres o acesso ao crédito e a oportunidade de iniciar os seus próprios negócios, estas serão uma força tremenda na luta contra a pobreza. 

A Estratégia de Segurança Nacional do Presidente Obama expressa a convicção dos Estados Unidos de que “os países são mais pacíficos e prósperos quando são atribuídos às mulheres plenos direitos e oportunidades iguais.  Quando esses direitos e oportunidades são negados, os países retrocedem.” 

A inclusão desta declaração na estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos demonstra que o empoderamento das mulheres não é apenas uma meta secundária ou terciária comparada com outras questões mais importantes, mas é sim vital para a segurança nacional americana. A Secretária de Estado Hillary Clinton liderou o desenvolvimento e implementação de uma política externa americana na qual as questões de género se encontram na vanguarda. O empoderamento das mulheres não é apenas uma meta secundária ou terciária comparada com outras questões mais importantes, mas é sim vital para a segurança nacional de cada nação. Por essa razão, os Estados Unidos estão empenhados no progresso do estatuto das mulheres, tanto no seu país como no resto do mundo. 

A segunda mensagem chave da minha apresentação de hoje é que os assuntos das mulheres são os assuntos de todos nós.  Gostaria de me dirigir um pouco aos homens nesta sala.  E quero falar na vossa linguagem.  Lembram-se da minha analogia sobre o futebol?  O empoderamento das mulheres vai exigir os maiores esforços de todos, incluindo de todos vós.  Queremos uma equipa completa no campo.  Os autores de Half the Sky dizem que a igualdade de género é o próximo grande movimento de emancipação; um movimento que vai trazer um progresso dramático para o mundo.  Mas primeiro vamos olhar para trás, para outros movimentos sociais bem-sucedidos:

• A emancipação dos escravos na Europa e nas Américas no século XIX (dezanove).

• O direito ao voto das mulheres em países por todo o mundo, e alcançado nos Estados Unidos em 1920.

• O movimento para estabelecer direitos plenos aos afro-americanos, e mais recentemente, e mais próximo,

• O movimento para acabar com o apartheid na África do Sul.

A característica comum de todos estes movimentos foi a participação activa de homens e de mulheres. Em alguns casos, os homens lideraram o processo. Noutros, foram as mulheres.  Mas em todos eles, foi necessária a participação tanto de homens como de mulheres para alcançar os resultados.  Portanto, que isto seja uma chamada a todos os presentes — homens, mulheres, professores, estudantes—para que sejam aliados nesta causa.

Alguns homens moçambicanos já estão bem à frente desta causa, e formaram um grupo intitulado Homens pela Mudança em Moçambique (HOPEM), uma aliança de organizações liderada por homens emprenhados no progresso do estatuto das mulheres.  Alguns dos países africanos vossos vizinhos já contam com organizações semelhantes, intituladas Men for Gender Equality.

Em 2010, a HOPEM liderou um workshop a nível nacional sob o tema da Masculinidade e Violência Contra as Mulheres, em Maputo, e com a participação de 30 grupos da sociedade civil. Conseguiram disseminar mais informação ao público e organizaram uma marcha contra a discriminação baseada no género em Maputo com 600 participantes. Um dos participantes, Gilberto Macuacua, também gere um blog intitulado “Género e Violência contra a Mulher em Moçambique” que luta pela igualdade e pelo fim daquilo que ele chama “a grave violação dos direitos humanos que é a violência doméstica.”   Congratulo os membros da HOPEM – eles compreendem como as mulheres são cruciais para o desenvolvimento económico do país e fazem o que podem para apoiar as mulheres em Moçambique.

Permitam-me recapitular um pouco. 

• O meu primeiro ponto era que é necessária a participação plena das mulheres para uma sociedade saudável e próspera. 

• O meu segundo ponto era que os assuntos das mulheres são os assuntos de todos.

• O meu terceiro ponto, e final, é na verdade uma pergunta: que podemos fazer para maximizar o potencial das mulheres? 

Se tivesse que escolher apenas um caminho ou um método para maximizar o potencial das mulheres, seria assegurar que todos ---mulheres e homens --- têm acesso igual a educação de qualidade.  Por essa razão, é com muito prazer que estou aqui entre vós, que vêm a educação como o vosso caminho para o crescimento e progresso pessoal.

Vamos pensar um pouco no que acontece quando uma rapariga tem acesso a educação. As pesquisas mostram o seguinte:

• Um aumento no rendimento total da família

• Melhor saúde --- para ela própria, seu marido e seus filhos

• Adiamento do nascimento de crianças até que ela e o seu marido tenham capacidade para cuidar deles adequadamente

• Maiores possibilidades de poupança, investimento e criação de outros projectos de geração de rendimentos

• Aumento da capacidade de pagamento da educação dos seus filhos, assim criando um ciclo vicioso de uma geração para a seguinte
São argumentos poderosos sobre a importância e eficácia da educação ---tanto para rapazes como para raparigas.  Kofi Annan, o anterior Secretário-geral das Nações Unidas, oriundo do Gana, salienta este ponto, dizendo “É impossível realizar as nossas metas se discriminarmos metade da raça humana.  Conforme nos mostram estudos após estudos, não existe ferramenta de desenvolvimento mais eficaz do que o empoderamento das mulheres.”

Gostaria de vos falar momentaneamente sobre a forma como os Estados Unidos, na qualidade de parceiros de Moçambique, estão a apoiar a educação das mulheres no país. Um dos factores chave na erradicação da pobreza é o desenvolvimento da agricultura, especialmente num país como Moçambique, com tremendo potencial agrícola.  Temos o prazer de ter connosco hoje nove das onze participantes moçambicanas no programa African Women in Research and Development Fellowship (Mulheres Africanas na Pesquisa e Desenvolvimento), conhecido como programa AWARD, que apoia mulheres cientistas promissoras, particularmente na área da agricultura. Gostaria de pedir às recipientes do AWARD que se levantem para serem reconhecidas.  Estas mulheres estão a conduzir pesquisas que podem um dia provocar alterações de referência na produção de alimentos e de colheitas comerciais em África. 
Por favor, juntem-se a mim numa salva de palmas para elas.

Quando viajo pelas áreas rurais no país, reparo nas mulheres moçambicanas que semeiam, lavram, e cultivam os seus terrenos, muitas vezes com um bebé nas suas costas; carregam água, recolhem lenha, e depois regressam a casa para cozinhar e limpar. Eu acho que elas sabem algumas coisas sobre a criação de alimentos.  Então como é possível que as inovações agrícolas bem-sucedidas não reflictam a perspectiva científica das mulheres? As inovações na agricultura e outras áreas científicas exigem o empoderamento das mulheres, trabalhando ao lado dos homens.  Espero que todos vós na audiência tenham possibilidade de falar com as beneficiárias do AWARD depois da sua apresentação desta tarde – serão inspirados pelas suas histórias.  Além disso, espero que mais jovens mulheres decidam enveredar pela área das ciências, talvez através destas bolsas ou outros programas como o nosso projecto “Raparigas na Ciência”, organizado por voluntários americanos do Corpo da Paz em escolas secundárias por todo o país.  Espero que muitas jovens mulheres nesta sala ajudem a abrir esse caminho.

Para além da educação, existem outras coisas concretas, a nível de políticas, que Moçambique pode fazer para aumentar o desenvolvimento económico e agrícola e apoiar as mulheres. Por exemplo:

• Rever códigos legais para assegurar que a propriedade é transmitida às viúvas e não aos irmãos em caso de morte de um homem. A falta de terra suficiente para cultivar prende as pessoas na pobreza.  Noventa e cinco por cento das mulheres nos países da SADC envolvidas na agricultura trabalham na agricultura de baixa produção, principalmente porque raramente têm acesso a terra suficiente para participar em programas de desenvolvimento de maior escala. 

• Facilitar a detenção de terra por parte das mulheres, o seu acesso a contas bancárias e início de negócios. 

• Melhorar os sistemas de abastecimento de água para reduzir a necessidade das mulheres e raparigas caminharam tão longe para ir buscar água.  Para as raparigas, seria melhor estar na escolha em vez de passar o seu tempo a carregar água.  Para as mulheres, o tempo que passam a carregar água seria melhor gasto numa actividade economicamente produtiva.

CONCLUSÃO

Para concluir, o empoderamento das mulheres não é uma ideia abstracta, destinada a fazer-nos sentir bem, e que deveria preocupar apenas as mulheres.  O empoderamento das mulheres é central para o desenvolvimento económico, social e político bem-sucedido, e constitui um pilar da segurança nacional de cada país.   

É essencial que haja uma política governamental e um enquadramento legal justo, mas as mudanças mais fundamentais devem acontecer ao nível local, e têm que envolver tanto homens como mulheres. Não podemos esperar que o governo resolva todos os problemas. Há muitas coisas que cada um de nós pode fazer.

Qualquer homem que queira ver progresso real para a sua família deve lutar tanto pela educação das suas filhas, irmãs, e esposa como pela dos rapazes e homens da sua família. A sociedade civil moçambicana, o governo, os parceiros de negócios e internacionais --- devem todos trabalhar para aumentar o número e a qualidade das oportunidades educativas e económicas para as mulheres. Os Estados Unidos continuarão a trabalhar juntamente com Moçambique e o seu povo neste esforço de importância vital, através de programas como o AWARD.

Em último lugar, para a classe de 2015, o empoderamento da mulher precisa de todos vós. Desafio-vos a fazer do vosso país e do mundo um lugar melhor através do trabalho duro e do serviço à vossa comunidade.

Enquanto estudam e depois de se graduarem, procurem formas de apoiar e ensinar os familiares e amigos que talvez não tenham a vossa sorte. Sejam defensores de todos, das raparigas assim como dos rapazes, das mulheres assim como dos homens, pois isso levará a um futuro melhor para vós e para a vossa família, bem como a um Moçambique mais próspero.

Como disse a Secretária de Estado Hillary Clinton na Quarta Conferência Mundial sobre as Mulheres de 1995 patrocinada pelas Nações Unidas em Beijing:

“Enquanto a discriminação e a desigualdade forem tão vulgares em todo o mundo, enquanto as raparigas e as mulheres tiverem menos valor, comerem menos e em último lugar, trabalharem mais e forem pagas menos, não frequentarem a escola e forem sujeitas a violência nas suas casas e fora delas —o potencial da família humana de criação de um mundo pacífico e próspero não será realizado.”

Obrigada pela oportunidade de estar convosco hoje.